O cavalo Dike

Depois de tantos desencontros e distância superior à seis anos, Cinthia conseguiu passar algumas horas com Matheus, seu sobrinho e afilhado. Era gêmeo de Marcio e já estava com 41 anos. Sempre foi a sua paixão, o retrato de seu avô, pai de Cinthia. Tinha o sorriso largo da mãe e os olhos vivos da sua família. Era bravo, enérgico; mas com coração mole. Era isso que mais encantava Cinthia, que sempre auxiliou a irmã nos cuidados dos filhos, mesmo à distância.

E, graças à Deus, naquela tarde de abril, os dois sentaram naquela linda praça e relaxaram. Riram dos feitos e até mesmo dos desfeitos na vida até alí. Cinthia agradeceu à Matheus as duas filhas que ele teve com Eunice, umas pérolas, das quais ela nunca esteve separada. Eunice foi uma excelente interlocutora, sempre abrindo espaço para o amor de Cinthia com as filhas, que conseguia ficar com elas através de outras pessoas e tinha certeza de que Matheus, apesar de tudo, gostava, pois sabia que ela era uma boa tia-avó. Ele não poderia ter esquecido o tanto que ela o amava.

Falaram do trabalho dele, da sua viagem por três meses à China e, lá pelas tantas, Cinthia questionou-o: “e o cavalo Dike? ele ainda aparece pra ti? ainda o tens como amigo?” Matheus, surpreso e sem entender coisa alguma, respondeu: “do que estás falando?”. Foi então que Cinthia lembrou do quanto o cavalo Dike tinha sido seu amigo na infância. Era um cavalo imaginário que o seguia em todos os momentos. Quando na casa da sua avó materma, inúmeras vezes Matheus pediu que fosse colocado um prato a mais na mesa para que o cavalo Dike almoçasse com ele. Pedia para Cinthia cuidar do cavalo Dike quando atravessava uma rua e por aí ia.

Certa vez Cinthia procurou uma psicóloga para tentar entender o que estava acontecendo com o sobrinho e foi surpreendida com um diagnóstico muito simples de “é normal em crianças”. Não satisfeita procurou um Centro Espírita e lá tomou conhecimento de que o processo reencarnatório só se encerra por volta dos sete anos. Até lá a criança está ligada tanto no mundo espiritual quanto no físico. Por isso, é que na infância esse tipo de ocorrência tende a se intensificar, especialmente quando a criança aprende a falar. Na maioria das vezes a criança não tem medo algum e acaba tendo um amigo invisível. Entendendo o processo, Cinthia ficou tranquila.

Explicou tudo à Matheus, que continuou a contestá-la, alegando que ela estava inventando essa história para deixá-lo nervoso.

Sem ter mais o que falar e não mais tendo as boas testemunhas para afirmarem o que verdadeiramente aconteceu, Cinthia resolveu calar-se.

Certamente sua irmã, a mãe de Matheus, falecida há nove anos e sua mãe, nove meses depois, confirmariam a existência do cavalo Dike na cabecinha daquela criança tão linda e saudável que crescera sem buscar, infelizmente, qualquer orientação espiritual.

Na despedida Cinthia beijou longamente a face de Matheus, olhou para o seu lado e, em silêncio falou: “tchau cavalo Dike”!

Escrito para a Oficina "Provocações" - módulo 06 - Editora Pragmatha

Rosalva
Enviado por Rosalva em 20/08/2021
Código do texto: T7324968
Classificação de conteúdo: seguro