O alcaide fantasma
Na Princesa tudo é possível, até mesmo as coisas mais estapafúrdias, pois fiquem sabendo que por aqui tivemos a assombração de um alcaide; sim, isto mesmo! Um prefeito que depois de morto virou visagem, e o estranho é que jamais assustou um pobre, um sem teto, um sem tostão, um sem eira nem beira.
O homem, quando vivo, foi considerado um pai dos pobres; pagava rebuscados para a criançada, doses e mais doses de pingas para os afetos e desafetos, aliás, entre os que gostavam de uma cachaça, ele era tido como a alma mais amada da cidade; não perdia uma procissão, possuía até uma almofadinha que colocava sobre o ombro quando carregava o andor de algum santo, e como carregava! Das vinte procissões anuais, só não participava da de Cosme & Damião, não misturava Erê de umbanda com santo católico.
O alcaide morava numa bela mansão, suas festas eram celebres; artistas vindos da capital do Estado, cantoras e stripers das mais afamadas casas de nudismo, encantavam o seleto grupo de convivas. As boas línguas afirmavam que ele era um senhor de um sortudo; acertara dezenas de vezes na loteria, ganhara carro, lancha, fazendas, barco de pesca, bois, cavalos, apartamentos em Santos, São Paulo e Curitiba, tudo nas inúmeras rifas de gente rica, que corriam secretamente na pacata e pobre cidade.
As más línguas diziam que ele roubava, que era um corrupto de mão cheia, que tudo em que tocava, 20% ficava em seu bolso. Que todos os políticos da cidade comiam em seu cocho, que comprara o padre, vinte pastores, o senhor bispo, três pai de santos, e duas ciganas. O homem jurava que tudo era inveja, que o que ele tinha era sorte, muita sorte, e nada mais; o fato da esposa detestar pobre, não tinha nada a ver com falta de humildade, é que ela passara fome na infância e comeu o pão que o diabo amassou, e ela jurou que se um dia tivesse posses, jamais voltaria a comer pão, mas apenas bolos e doces importados. A mulher era tão chique que nem água mineral tomava, preferia champanha e vinhos finos, assim tipo ministros do Supremo Tribunal Federal. Madame fazia caras e bocas quando falava com um pobre, jamais olhava nos olhos, e mal o pobre saía de perto, ela corria a lavar as mãos, porém aos olhos de quem não conhecia o traste, passava por santa.
O casal morreu num desastre de avião; um hidroavião caiu sobre a lancha em que estavam, e nada sobrou dos dois. Um mês depois, quando o vice alcaide, ofereceu um jantar à elite da cidade, perto da meia-noite ocorreu uma queda de energia elétrica, e madame Teresa Cristina Nogueira de Azambuja Souza e Silva, quase matou os ricaços de susto, pois deu um grande grito e desmaiou; disse que viu a esposa do finado alcaide com uma taça de champanha nas mãos, olhando fixamente para ela.
Depois do acontecido com madame Tetê, não tinha festa em que o casal fantasma não se apresentassem; o resultado foi que os ricos, os milionários, os nababos da cidade, pararam de dar festas, e só se reuniam no exterior, Paris, Orlando, Roma, Londres, Dubai. Eis o motivo de quase não ter festa de ricos na cidade; medo do casal fantasma.
Já faz um bom tempo que acabaram as grandes festas, mais de quarenta anos. Também faz um bom tempo que ninguém fala no alcaide fantasma, vamos aguardar, pois mês que vem madame Maria Eulália de Antunes Araújo, a mulher mais rica da cidade, dará uma megafesta, quem sabe o alcaide fantasma e a alcaidessa marquem presença; já não se fazem visagens como antigamente.
Gastão Ferreira/2019