Vovó Zeferina
A primeira vez que vovó Zeferina morreu, ela acabara de completar cinquenta e três anos. Filha única, neta única, bisneta única; única herdeira dos fabulosamente ricos Silva Fortes. Na juventude, bisavô Ernani Silva Fortes, comprara um marido para a sua amada e mimada filha, meu avô Jeronimo Antunes de Aguiar, pescador de manjuba, jogador de futebol, um rapaz alegre, simpático e que jamais trabalhou na vida.
Bisavô Ernani sabia das coisas, conhecia a fundo a alma do povo; combinara com vovô Antunes que toda a vez em que ocorresse uma relação sexual com vovó Zeferina, ele receberia mil Dólares e dez mil dólares por filho gerado, lindo e saudável. O garanhão consegui amealhar cinquenta mil dólares e um milhão e duzentos mil Dólares durante os dez anos de casamento.
Vovô Antunes teve a vida que pediu à Deus; comia do bom e do melhor, roupas exclusivas e com direito ao Brasão dos Silva Fortes, bordado em relevo. Vovó era uma dama; gentil, desbocada, vingativa. Dizem que vovô Aguiar apesar de ser sustentado pela esposa, gostava de pular a cerca; bisavô Ernani descobriu, e com apenas dez anos de casada, vovó enviuvou, pois ninguém zomba de um Silva Fortes, e ainda mais em cidade pequena.
Com a morte prematura de vovô Aguiar, muitas histórias vieram à tona; o homem era terrível, um sátiro! Além dos muitos casamentos que desestruturou, teve tórridos encontros com alguns travestis, e seu codinome no meio gay era “tricha”, e vovó descobriu tudo. O maior babado! Grandes barracos! A vovó ainda eram muito jovem, nem chegara aos trinta. Foi gastar sua fortuna na Europa, conhecer o mundo, esquecer as maldades, fazer novos amigos, esquecer tanta desilusão; os pimpolhos estudavam em internatos no exterior, mas todos se encontravam no Natal e trocavam lindos presentes.
Os herdeiros cresceram, estudaram por estudar, nenhum com profissão definida, viviam as custas de vovó, a milionária e fabulosamente rica Zeferina Regina de Almeida Silva Fortes, e todos sonhavam com a riqueza e a liberdade no dia em que vovó fosse dessa para uma pior. O sangue de vovô Jeronimo Antunes de Aguiar era mais forte que o sangue dos Silva Fortes, seus filhos usaram mil artimanhas, mas nunca obtiveram a vitória, vovó resistia impávida à todos os atentados contra a sua vida... Aos cinquenta e três anos, vovó Zeferina morreu pela primeira vez.
O velório foi no salão nobre do palacete Silva Fortes, com direito a presença do senhor prefeito e dos excelentíssimos e nobres vereadores municipais, e de toda a elite da cidade. Cada filho chegou choroso de algum lugar distante; Tio Silvano veio em seu jato particular de Las Vegas, onde acabara de perder cinco milhões de Dólares num cassino de luxo. Seu irmão, tio Julian, correu apressado do Canadá, um tanto chateado por largar a temporada de caça ao alce selvagem na metade. Tia Constance conseguiu deixar Paris por alguns dias, tia Sophie veio serelepe com o oitavo marido, da Bélgica, e mamãe Cleyde Regina, a filha predileta, estava com os três filhos visitando vovó quando ocorreu o passamento.
Nenhum dos filhos e filhas da vovó se afastava do caixão fúnebre; quem via achava que era excesso de amor filial. Na verdade vovó Zeferina Regina estava adornada com muitas joias; seus famosos diamantes, colares de pérolas negras, ouro, muito ouro, e os familiares não arredavam o pé, pois um pequeno descuido e alguém podia levar algo como lembrança da falecida.
Além de não desgrudarem do ataúde, começaram a lavar a roupa suja, dores guardadas a sete chaves, picuinhas familiares, sacanagens, desaforos, golpes baixos, antipatias dissimuladas em sorrisos, o ódio mortal pela mãe morta e que nunca se importou com nenhum deles.... E assim, sem mais nem menos, vovó Zeferina sentou no caixão e falou bem alto; - “Canalhas!”, levantou e se trancou no quarto, e mandou chamar com urgência urgentíssima todos os seus advogados.
Depois da primeira morte de vovó Zeferina, muita coisa mudou. Todos os seus filhos estão trabalhando para obterem o próprio sustento, a rica mesada foi cortada, e todos foram deserdados em definitivo. Vovó investiu nos netos, no final do ano me formo em medicina, e vovó será a paraninfa da turma, afinal, ela é a proprietária da faculdade, eu sou um Silva Forte. Vida longa à vovó Zeferina Regina de Almeida Silva Fortes!
Gastão Ferreira/2018