Assassinato no Jairê
No final dos anos cinquenta do século passado, o bairro rural do Jairê era bem diferente dos dias atuais; muita plantação de hortifrútis, criação de aves e suínos, pesca e lavouras de aipim para a fabricação da famosa farinha de mandioca do Mumuna, juntamente com a produção de afamadas marcas de cachaça.
Foi a cachaça a causa do horrendo crime; Seu Juca Amborê, pacato cidadão, bom pai de família, excelente filho, marido exemplar, com muitos amigos e estimado na vizinhança, numa noite chuvosa, após exagerar um pouco no consumo da pinga “Paletó Vermelho”, na volta ao aconchego do lar, foi atacado covardemente por um desconhecido.
O ser que o atacou era alto, braços longos, que sem pronunciar nenhuma palavra, simplesmente se jogou na frente de Seu Juca, tentando abraça-lo e o impedir de seguir o seu caminho; a única saída de Seu Juca Amborê foi puxar do facão e enterrar na barriga do agressor. Deixando a arma do crime dentro ao cadáver, correu aos gritos para casa.
Seu Juca estava apavorado, matara um homem! Jamais passara por sua cabeça cometer um crime, nem de passarinhar gostava, quando matavam algum animal, no sitio, para consumo, ele era o primeiro à sair de perto da vítima. A família foi chegando, a vizinhança também, os parentes envergonhados com a atitude de Seu Juca; - “Era ele, ou o assassino! Amborê agiu certo.”, informava Seu Júlio Guaiamu, padrinho do Seu Juca.
- “Sinal dos tempos!”, disse Dona Zilda Fanha, a crente. “Quem diria que no pacato Jairê, ocorreria um crime hediondo? Pobre família, agora marcada para sempre com o sangue derramado de um desconhecido... E as crianças, como vão crescer, sabendo que o pai é um criminoso? Um assassino! Um monstro! Quem será o desgraçado que perdeu a vida na escuridão noturna? Será um morador do bairro? Um fugido? Alguém que mudou recentemente para o Rocio, e veio aprontar na zona rural? Um serracimano? Vamos juntar um pessoal, esperar a chuva passar, e voltar ao local do crime... Esperamos o dia clarear; agora é a hora de orar ao Senhor, e pedir perdão de nossos muitos pecados.”
Seu Juca permanecia inconsolável, não parava de chorar; sabia que a sua vida acabara, daqui para a frente era um homem marcado. Por que não parara de beber, por quê? Ah, se pudesse voltar no tempo! Pela manhã iria com o pessoal até o local do assassinato; como poderia encarar frente a frente o mortinho, e depois o delegado, e depois os parentes do defunto...
Na primeira luz da manhã, e ainda garoando, os parentes, os amigos, os vizinhos refizeram o percurso do Seu Juca; foram até o bar e vieram margeando o Rio Ribeira. Seu Juca lembrou que para cortar caminho, entrara no mato... Refizeram o itinerário... De repente todos pararam! Todos espantados com o que viam; o facão de Seu Juca Amborê enterrado até o cabo no tronco de uma bananeira.
Seu Juca com os sentidos alterados pela bebida, mais a chuva, o escuro, o vento, não percebera que saíra fora da trilha. O vento agitando as folhas da bananeira lembrava dois braços estendidos, o medo do desconhecido causara a reação, e a reação fora atacar... Seu Juca Amborê era inocente, o assassinato no Jairê, graças ao Bonje, nunca aconteceu.
Gastão Ferreira/2018
História real, narrada ao autor pela escritora iguapense Eliana Novaes.