Toninho Beleza, um lobisomem
Maria Oneze nasceu e cresceu numa cidade grande; moça prendada, cozinheira de mão cheia e quituteira das melhores. Seu sonho era ter o próprio comércio; um restaurante de frutos do mar, consegui realizá-lo aos trinta e cinco anos de idade.
Chegou à Iguape no início dos anos oitenta; a cidade era festeira, basicamente seus habitantes viviam da pesca e da agricultura de subsistência, os melhores empregos estavam na prefeitura e na Polícia Militar, e Ilha Comprida era um bairro pobre e pouco desenvolvido.
Oneze não comprou um restaurante, e sim um quiosque na famosíssima Praia do Leste; na época o local era frequentado pelos endinheirados da cidade. Os endinheirados eram as pessoas que possuíam condução própria, carro, moto, bicicleta. A praia estava situada na foz do Rio Ribeira; cercada pela vegetação nativa, possuía uma grande e piscosa lagoa bem junto ao mar.
Um pedaço do paraíso, muitos pássaros, silêncio, paz; durante a semana poucos frequentadores, mas aos sábados e domingos era invadida por milhares de turistas vindos de ônibus fretados de diversas cidades. Todo o paraíso tem a sua serpente, e a cobra da Praia do Leste tinha nome e sobrenome; Toninho Beleza.
Os iguapenses possuem um linguajar próprio, por exemplo; - “Bonito, hem!” significa “nossa, que feio!”, “magra, ela!”, a pessoa é gorda, “pouco pobre!”, a pessoa tem muito dinheiro. Toninho Beleza era a feiura em carne e osso, mas Maria Oneze desconhecia o modo iguapense de falar; ela era de fora.
Realmente Toninho era feio pra dedéu, mas que homem trabalhador, amável, gentil, fogoso! Era tão feio que chegava à ser bonito de feio, e na solidão da Praia do Leste, Maria Oneze se apaixonou pela criatura. A única coisa que estranhava era que nas noites de lua cheia, Beleza desaparecia misteriosamente, e quando retornava suas roupas estavam esfarrapadas; quando questionado não sabia explicar por onde andara.
Aquela quarta-feira seria noite de lua cheia, à tardinha Maria Oneze deu um sonífero para Toninho beber; tiro e queda, o homem adormeceu na hora. Quando a lua surgiu começou a transformação, na cama estava deitado um grande e peludo lobo; Toninho Beleza era um lobisomem.
O que é o amor verdadeiro? Um sentimento que pode mudar uma pessoa. Maria Oneze amava Toninho Beleza. Contou ao rapaz o que realmente acontecia com ele nas noites de lua cheia; o homem quase endoidou! Queria desaparecer, morar no meio do mato, fugir... Oneze não deixou, e bolou um plano para salvar o seu amor.
O que o amor não descobre? Pois ela encontrou uma solução ao problema; ficou sabendo que no último dia da lua cheia, exatamente à meia-noite, se alguém for mordido por um lobisomem, também vira lobisomem.
Naquela semana não abriu o quiosque, convenceu Toninho à passar alguns dias nos confins da Juréia, só os dois no meio da mata Atlântica. Mal chegaram e amarrou o Beleza numa árvore, e explicou o plano; ele ficaria amarrado durante todo o plenilúnio, transformado em lobo, e exatamente à meia-noite do último dia de lua cheia, ela deixaria que ele a mordesse, e assim também ela seria um lobisomem.
Não ficaram apenas uma semana na Juréia, e sim duas; voltaram felizes. A vizinhança estranhou; quinze dias no meio da mata, sozinhos, atacados por mosquito pólvora, e vendendo alegria? Aí, tem!
Virou rotina, na fase de lua cheia o casal desaparecia; voltam sorridentes. Na Praia do Leste algo ocorreu; ninguém mais rouba galinha, nem uivos são ouvidos no silêncio das noites de lua cheia. Maria Oneze teve dois meninos; sapecas os guris! O estranho é que adoram carne crua; Ah, estes filhotes de lobisomem!
Gastão Ferreira/2017