Dito Berro de Boi
Dito Berro de Boi abatia reses no matadouro municipal; estamos no final dos anos sessenta na cidade de Iguape. Todos os magarefes têm tendência ao alcoolismo, e Berro de Boi não fugiu da sina; carneava o gado e passava dias e dias bebendo. Todos sabiam quando ele estava trebado, pois em vez de caminhar para a frente, andava de lado e aos pulinhos.
Uma tarde, o porre foi tão grande que não conseguiu voltar para casa; entrou no cemitério e deitou-se a sombra da árvore que existe logo após o portão, e adormeceu. Quando acordou do pileque já era quase madrugada. Não podia saltar o muro porque a ressaca não permitia, mas se manteve atento ao movimento da rua na espera de ser resgatado por algum passante.
Alto, magro, descabelado, camisa para fora da calça, cara de quem bebeu todas, mais morto do que vivo, encostou-se ao portão. A única alma viva que andava na madrugada iguapense era o entregador de pão conhecido como Boni Nova Era. Quando o homem passou frente ao portão do cemitério, empurrando o carrinho com os pães, Berro de Boi, sentindo o cheiro de pão quentinho, gritou; - “Me dá um! Me dá um!”
Boni Nova Era quase morreu de susto, derrubou os pães, tremia feito vara verde, e a visagem dentro do cemitério exigindo; - “Me dá um! Me dá um, infeliz!” e chacoalhava o grande portão de ferro. O padeiro escafedeu-se, e só parou de correr frente à casa do coveiro.
Explicou que um morto estava querendo comer pão e tentando sair do cemitério. O coveiro foi curto e grosso; - “Do meu cemitério, ninguém foge! Vamos lá enterrar novamente o mortinho.”, e praticamente arrastou consigo o padeiro apavorado.
Foi assim que Dito Berro de Boi virou uma lenda urbana, e passou a ser conhecido como Dito Me Dá Um, o padeiro Boni Nova Era se transformou em personagem medroso, e o coveiro ganhou fama de valentão. Saudade da Iguape de antigamente, bastava abrir a janela e se avistava um saci, uma alma penada, uma mula sem cabeça; Dona Zildinha jamais se esqueceu da primeira vez em que presenciou Toninho Beleza, numa noite de lua cheia, se transformar em lobisomem bem na frente do seu portão, mas esta é outra história.
Gastão Ferreira/2017