AMIZADE INDIFERENTE

Os livros ainda se encontravam abertos e espalhados sobre a mesa, embora Felipe Martins já tivesse terminado suas tarefas online da escola. Ele continuava sentado à mesa, as mãos cruzados sob o queixo e um olhar que parecia muito distante da tela do notebook a sua frente. Enfim levantou-se, respirou fundo e começou a organizar seu material de estudo para guardá-los.

Como de costume, após concluir as tarefas escolares, reunia-se com os amigos na rua para brincarem. Antes de sair, olhou para as duas bicicletas encostadas na parede da sala. Apesar do convite, seu amigo Pedrinho, outra vez não apareceu para o passeio de bike. Felipe nasceu e cresceu ali, tinha vários amigos na vizinhança, a maioria deles eram mais jovens ou tinham alguns anos a mais que ele. Pedrinho e Felipe nasceram no mesmo ano, cresceram juntos e tornaram-se amigos próximos.

Era uma rua com pouco trânsito de carros e motos, motivo pelo qual crianças de ruas vizinhas vinham até ali para participarem das brincadeiras. O sol já se aproximava do ocaso e Felipe foi caminhando pela calçada em direção aos amigos que já corriam brincando de pega-pega, entre conversas e risos. Felipe se aproximou, cumprimentou os amigos e juntou-se a eles na diversão. A tarde num clima agradável e na rua passava um vento calmo e ameno. Algumas famílias aproveitavam a sombra das árvores e sentados nas calçadas apreciavam o entardecer. Os pais de Felipe vieram até a casa da família de Pedrinho e juntos com eles observavam as crianças brincarem.

A noite se iniciava e as crianças sabiam que era hora de voltarem pra casa. Pedrinho sentado no meio fio da calçada, ofegante depois de tanta correria, quando Felipe sentou-se a seu lado e o convidou pra jogarem vídeo game em sua casa após o jantar, ele relutou argumentando cansaço e algumas tarefas da escola ainda pendentes, mas com a insistência do amigo, confirmou sua presença.

Felipe era filho único de um casal de funcionários públicos. Conceição e Avelino seus pais, demostravam sempre cuidado e zelo com o filho. Nas conversas com Felipe, faziam questão de pontuar que mesmo tendo condições financeiras melhores que alguns vizinhos, nada os faziam diferentes dos demais. Estudava numa escola particular e seu desempenho, entre os melhores de sua turma. Tinha o hábito da leitura de livros e mostrava-se atencioso com os amigos e colegas da escola. Possuía muitos brinquedos em casa e gostava de convidar os amigos pra brincarem com ele. Pedrinho pela amizade de tantos anos, era o que mais frequentava sua residência. As visitas de Felipe a casa do amigo, também eram frequentes.

Pedrinho estudava em escola pública, assim como seus dois outros irmãos. Sua mãe trabalhava como costureira e seu pai como balconista de uma grande loja da cidade. Mesmo tão jovem, tinha consciência das dificuldades que sua família enfrentava no dia-a-dia e dedicava-se com afinco aos estudos. Aprendeu cedo que aquele era o caminho mais curto para um futuro melhor. Mais novo que Felipe alguns meses e a amizade entre os dois, teve início logo nos primeiros anos de vida.

Pedrinho encontrou Felipe sentado no sofá lhe esperando pra começarem a jogar vídeo game. Eram bons jogadores, entre vitórias e derrotas tinha as provocações que fazem parte de uma grande amizade. Passado algum tempo de jogo, a mãe de Felipe veio com uma bandeja e a colocou entre eles: sanduíches e suco. Ela permaneceu algum tempo ali observando os meninos. Admirava aquela amizade sincera e ingênua. Os pais de Felipe tinham um tratamento igual para os dois.

Passados alguns minutos e na bandeja, apenas o sanduíche e o suco de Pedrinho. Felipe observou, no entanto nada comentou. Esperou mais algum tempo e vendo que seu amigo não comia nada, resolveu indagar:

─ Você não vai lanchar? A mamãe preparou com tanto carinho pra nós!

Felipe pegou seu lanche e calmamente começou a comer. O amigo tinha razão.

Felipe acompanhou o amigo até a calçada e despediram-se. Suas casas ficavam próximas e no mesmo quarteirão. Felipe entrou, fechou a porta e caminhou até as bicicletas, uma delas tinha ganho em seu último aniversário, a outra seminova, Pedrinho usava nos passeios na companhia de Felipe. Dos três últimos convites, Pedrinho havia recusado todos, dava sempre uma desculpa. Alguma coisa está acontecendo com o amigo. Pensava Felipe.

Na volta pra casa, enquanto caminhava pela rua, Pedrinho viu pessoas sentadas na calçada conversando com seus pais e escutou risos. Assim que se aproximou deles, percebeu que mudaram de assunto. Eram pessoas que moravam em ruas próximos e que dias atrás estiveram por lá. Mostrando a educação que seus pais lhe ensinaram, cumprimentou a todos e entrou em casa. Todavia, seus pais perceberam um certo constrangimento em seu semblante.

No dia seguinte enquanto almoçavam Felipe comentou com seus pais sobre Pedrinho. Disse que seu amigo nos últimos dias, tem lhe visitado com menos frequência, inclusive recusado seus convites para andarem de bicicleta. Procurando reforçar seus argumentos, continuou:

─ Tenho duas bicicletas e a família dele nenhuma. Mesmo quando não participo destes passeios, ele pega a que tem costume de andar e depois vem devolver. Nem isso, mas ele fez. Depois de ouvirem com atenção seu relato, prometeram conversar com os pais de Pedrinho sobre o assunto.

Os dias passavam e as visitas de Pedrinho a casa do amigo cada vez menos frequente. As visitas de Felipe a casa dele, continuava como sempre, quase uma rotina. Os pais de Felipe compreenderam que o filho tinha razão e que em alguns momentos até mostrava-se preocupado por não saber o motivo de Pedrinho estar agindo assim. Decidiram naquele dia fazer uma visita a casa de Pedrinho e saber o que estava acontecendo. As duas famílias mantinham uma relação de respeito e amizade. Sentados no sofá da sala, os pais de Pedrinho relataram o que havia acontecido.

─ Certo dia chegaram aqui em casa umas visitas e nas conversas sobre nossos filhos, fizeram menção sobre a amizade deles de forma pejorativa. Eles não sabiam, mas Pedrinho estava em casa e escutou um pouco dessa conversa. Nem procuramos argumentar sobre o comentário deles, pois sabíamos que eram pessoas maldosas e não tinham a sensibilidade de compreender nossa convivência harmoniosa. Depois que as visitas foram embora, encontramos Pedrinho sentado em sua cama, triste e pensativo. Sentamos com ele e pedimos que não desse importância aos comentários que ouviu. Continuaram o relato:

─ Inclusive estas mesmas pessoas estiveram aqui estes dias e viram Pedrinho vindo da casa de vocês, não comentaram nada, no entanto deram risos quando ele se aproximou. Naquele dia pedimos que nunca mais fizessem aquele tipo de comentário com nosso filho. Pois não conheciam a nossa relação de convivência de tantos anos. Enfim, Pedrinho tem ido menos a casa de vocês, porque pedimos, para proteger nosso filho. Espero que compreendam nossa atitude e que isso é coisa passageira e logo tudo volta a ser como antes. Felipe aqui em casa é considerado como um filho. A proximidade de Pedrinho com ele, não é pelos brinquedos de Felipe e sim, porque são amigos de verdade. Conceição e Avelino parabenizaram os pais de Pedrinho pela atitude diante da situação e afirmaram que em nada aquilo mudava a relação entre as duas famílias. Saíram de lá com o convite de aniversário de Pedrinho que aconteceria no próximo final de semana.

Chegaram em casa e relataram para Felipe a conversa que tiveram com os pais de Pedrinho. Depois de ouvir o relato, Felipe fez um único comentário:

─ Por que existem pessoas tão más?

Sem querer se estenderem com explicações, disseram que não sabiam explicar, mas que era preciso saber conviver com estas pessoas.

Os pais de Felipe chegaram na festa de aniversário com um presente nas mãos, ele nada levava. Felipe foi até o amigo, abraçou-lhe desejando feliz aniversário e ficou ali junto a outras crianças degustando salgados e sucos, que eram servidos. Terminada a festa e a maioria dos convidados já haviam se retirado, Felipe convidou Pedrinho pra lhe acompanhar até sua casa. Felipe entrou pegou sua bicicleta e pediu que Pedrinho pegasse a outra. Já na calçada, Pedrinho percebeu seu nome escrito a tinta, no paralama traseiro da bicicleta. Pedrinho olhou intrigado pra Felipe e fez um gesto de quem não estava entendendo nada. Felipe colocou a mão sobre seu ombro e disse que aquele era seu presente de aniversário para o melhor amigo do mundo. Por fim, montaram nas bicicletas e saíram pedalando pela rua, sorrindo de alegria e felicidade. Marca registrada daquela amizade.

Henrique Rodrigues Inhuma PI
Enviado por Henrique Rodrigues Inhuma PI em 11/08/2021
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