A casa no final da rua
É uma casa abandonada, é uma casa antiga, é a última casa antes do final da minha rua, é uma casa com fama de assombrada; na infância, o meu avô, que Deus o tenha, foi companheiro de escola da menina Dorcas, filha do primeiro proprietário do prédio, e jamais esqueceu aquela noite fatídica em que o diabo veio pessoalmente buscar todos aqueles que viviam na habitação.
Seu Lupercinio não tinha amigos, era um matador de aluguel, e ganhava o seu sustento assassinando os desafetos daqueles que podiam pagar por seus serviços profissionais.
Sua esposa, nhá Dorcas, passava o tempo entretida com mandingas, magia negra, rituais satânicos; vovô afirmava que ela foi uma beldade na juventude, e que o próprio diabo se interessou pela donzela.
As pessoas mais antigas, contam que Dorcas casou com o capeta, e que seu filho Andersom tem o diabo como pai; quem representou o demônio na cerimônia, perante o juiz no casório, foi Lupercinio, um desconhecido vindo de lugar nenhum, e neste dia se realizou um pacto de sangue entre os três.
Meu pai estudou com Andersom, e uma única vez chegou a entrar na sua casa, e quando vovô soube da visita, papai levou uma grande coça e foi proibido de retornar à moradia do amigo.
A cidade onde moro é cercada de montanhas, e a mata atlântica começa onde termina a minha rua, e papai jura que viu três cachorros pretos saindo da última casa e entrando na mata; papai chegou à conclusão que eram três lobisomens.
Quando nhá Dorcas ofereceu ao demônio o sangue de um inocente, e Seu Lupercinio baleou algumas pessoas que tentaram invadir o seu lar, a coisa ficou feia; a casa foi incendiada, e os três residentes desapareceram no fogaréu. Muitos esqueletos foram encontrados no rescaldo do incêndio, o povo acreditou que eram dos moradores e dos anônimos assassinados por Lupercinio, ou sacrificado nos rituais satânicos, e a casa foi desde então relegada ao abandono, pois durante a calamidade as chamas formaram a figura do capeta, e assim, surgiu a lenda urbana afirmando que o diabo veio buscar seus protegidos.
Ninguém até hoje teve a devida coragem para entrar nas ruínas. Os que tentam se aventurar se apavoram e desistem; soluços, choro de recém-nascidos, resmungos de velhos, gargalhadas, cheiros estranhos, ventos repentinos, pedidos de socorro vindos do nada. Seu Izidoro Rodrigues, o homem mais valente da nossa rua, foi o último que tentou invadir a casa e se deu mal, levou um soco que roxeou um dos olhos, e ele nem viu quem o agrediu; saiu em disparada e nem pensa em voltar ao local.
Papai me contou e pediu segredo, e isso faz exatamente trinta anos; uma noite papai ouviu uivos, e um barulho no nosso quintal. Ele armara uma arapuca para pegar raposa, e saiu para conferir a armadilha; um lobinho preto havia prendido a patinha, e gania de dor... Papai soltou o filhote, e neste momento, um grande lobo negro se aproximou, fitou papai nos olhos e parecia agradecer por ele ter liberto a sua cria; papai jura que os olhos do lobo eram idênticos aos olhos de Andersom, seu amiguinho de infância, os mesmos olhos de um lobisomem.
Gastão Ferreira/2019