Baile de viola
(Noite de fandango...)
Fui convidado para um baile de viola caiçara num bairro rural da cidade; a comunidade recebeu os participantes com muito quentão, bandeirolas, bolos de fubá, espetinho de frango e de carne. As visitas chegaram de canoas e barcos; vieram de longe para passar a noite inteira festando.
Mesmo com o progresso batendo em nossa porta, quase nada mudou na zona rural; no local do baile, cercado pela mata atlântica, a margem de um piscoso rio, tudo remetia aos tempos de dantes. Os ribeirinhos chegavam enfezados, traziam os filhos grandes e pequenos e até mesmo o cachorro acompanhava a família.
Um tanto acanhados, um tanto tímidos; após alguns copos de quentão se soltavam. A viola caiçara é mágica, coisa de nossas raízes ancestrais; ilumina a alma, põe brilho no olhar. As letras de músicas são difíceis de entender; parece que são cantadas em outro idioma, mas todos aprovam e aplaudem.
Tais bailes servem como ponto de encontro; nas lonjuras em que vivem os ribeirinhos poucas vezes se cruzam. Nos bailes as comadres se reencontram, os amigos colocam a conversa em dia, negociam; os moços arranjam namoradas e os velhos, de olhar comprido, observam o comportamento da garotada.
No inicio o respeito dita as regras; Totó Breve pede uma dança a Maria, dona Filó baila com o compadre Gil e comadre Cândida nem se importa. Quentão vem... Quentão vai... Outras bebidas aparecem... A coisa esquenta... Os mais velhos vão dormir e o baile vira um Deus nos acuda!
Três da manhã e a viola cantando solta; Sandoval apagou as luzes, puro frege devido ao excesso de quentão. Dona Madalena não gostou, pediu ao marido que religasse as luzes, sua filha Lana Madona estava dançando com um moço desconhecido e poderia tropeçar na escuridão. Novamente alguém desligou a iluminação; começou um liga e desliga... Pedro Parente mandou parar a folgança dizendo; - “Jesus não gosta que dancem no escuro! Isso é tentação do demônio”.
Janguinho Perna Fina gritou; - “Que se dane Jesus! Isso aqui é um baile, não uma igreja”, e, quebrou as três lâmpadas que iluminavam o salão. Foi aí que começou a briga e o baile de viola terminou em pancadaria.
Briga no escuro é coisa feia; ninguém fica sabendo em quem bateu. Sem lâmpadas para reposição a festa acabou; os gritos dos briguentos acordaram os que estavam dormindo. Muita roupa suja foi lavada na madrugada; os cachorros latiam, as crianças choravam, as comadres se abraçavam, os velhos coçavam a cabeça. Dona Madalena procurava por Lana Madona que desaparecera no alvoroço... Lana foi encontrada agarradinha com o moço desconhecido atrás do bambuzal; no próximo baile vai ter casamento na marra... Jesus não gosta que dancem no escuro, e, viva a viola Caiçara! Coisa linda de se ouvir.
Gastão Ferreira/2014