Aninha
Vovó Julieta gostava de contar histórias de assombração, os netos mais velhos achavam que ela era uma senhora de uma mentirosa, que inventava as coisas só para assustar as crianças arteiras, mas, eles faziam questão de ouvir atentamente todas as histórias de visagens e lobisomens, que eram as suas favoritas. Os filhos de vovó, os meus tios, adoravam os causos da mãe, já as noras reclamavam com os maridos das invencionices da sogra.
Tia Marina, esposa de tio Felipe, filho mais velho de vovó, era uma que detestava as narrativas; - “Jesus tem que amarrar está velha! Onde já se viu ficar pondo besteiras na cabeça das crianças...”, pois não é que tia Marina pagou a língua!
Tio Felipe arrumou emprego de caixeiro viajante, acho que hoje seria mais correto dizer representante comercial, e como passava muito tempo viajando, alugou uma casa perto da casa de vovó. Uma casa antiga com um jardim, acreditava que suas duas filhas pequenas, Emília e Suzana, estariam mais seguras próximo do restante da família.
Suzana arrumou uma amiguinha, Aninha; uma guria da sua idade, cinco anos e que gostava de chocolate. Suzi passava horas entretida com a coleguinha, sempre se encontravam no pátio da casa, e por mais que Suzana convidasse a menininha para entrar, ela apavorada dizia que jamais entraria naquela casa.
Quando Emília contou à tia Marina que Suzi tinha uma amiga invisível, o bicho pegou; Suzana levou uma bela surra para aprender a não mentir e a não inventar coisas. Vovó ficou sabendo e fez um bolo de chocolate e foi tomar um café da tarde com as netas...
Conversando com Suzana, vovó puxou assunto sobre a amiguinha; Suzi contou que Aninha não entrava na casa, tinha medo do homem mau... O homem mau enganou Aninha, prometera muitos chocolates, e ela acreditou; estava enterrada no quintal, bem ali onde ficavam conversando.
Vovó não disse nada, mas começou uma investigação; sabia como era a figura de Aninha. Suzana descreveu a amiguinha nos mínimos detalhes, o difícil foi precisar a data em que ocorreu o assassinato; foi no ano em que o homem pisou na lua, disse Suzana, Aninha assistiu na televisão e três dias depois ela foi enganada pelo pedófilo....
Vovó consultou os livros, e o homem pisou na lua pela primeira vez em 20 de julho de 1969, então Aninha desapareceu em 23 de julho de 1969. Tia Marina estava uma fera, já não gostava da sogra, mas agora passou a odiar a vovó, e Suzana cada dia mais impossível, pois Aninha indicara o lugar exato aonde estava enterrada, e Suzi cismou que tinha de retirar o esqueleto de Aninha do jardim.
A família se reuniu, os filhos a favor, as noras contra, os genros neutros; para resolver de vez o problema tio Felipe cavou no local indicado, cavou e cavou... Primeiro achou uma boneca de trapo, depois a pasta de couro onde Aninha guardava os cadernos e lápis, e por fim os ossos da criança.
Suzana sossegou, disse que Aninha foi para o céu e que finalmente estava em paz. Algumas coisas mudaram, eu vi! Todas as tardes tia Marina leva um pedaço de bolo, uma fruta, um mimo para vovó Julieta e sempre pede para vovó contar uma de suas histórias, titia virou sua grande fã, e agora é só elogios.
Gastão Ferreira/2019