No mar sem fim
Renato vivia na zona rural da Vila de Iguape, numa casa humilde de taipa e sapé na margem direita do Rio Suamirim, era pescador, e em 06/08/1720 ele completou 18 anos. Seu aniversário coincidia com a Festa do Bom Jesus, e mesmo naquela época longínqua os festejos reuniam gente de lugares distantes, e se havia alguém que era fã do Bonje, era ele, Renato.
Naquele ano, na Festa do Senhor, Renato conheceu Suzana e perdeu-se de amor; duas festas depois estavam casados e morando na freguesia da Barra do Ribeira, num lugar isolado, no entroncamento do Rio Suamirim com o grande Rio Ribeira.
Por insistência da família da esposa, um primo de Suzana morava junto ao jovem casal, e ajudava Renato na plantação de mandioca, e na pesca da tainha, e do robalo; salgavam o peixe, outras vezes o defumavam e vendiam os produtos do plantio e da pesca artesanal na Vila de Iguape.
Renato foi chamado às pressas para ser um dos quatro remadores da grande canoa, que os nativos chamavam de sumaca, e que levaria um parente seu a uma consulta médica em Santos, quatro dias de viajem entre o ir e o voltar; a sumaca que zarparia da vila de Iguape, era o meio de transporte mais rápido da época, pois ainda não existia o afamado porto e seus navios de passageiros. Ocorreu que um outro parente, este solteiro e mais jovem, morador da vila, se prontificou a tomar o lugar de Renato como remador, e Renato voltou à noite, em sua própria canoa, para a Barra do Ribeira.
Entrou em casa e encontrou a esposa e o primo dormindo abraçados e nus na cama de casal; foi armada a maior confusão, e entre ofensas e gritos, o casal fugiu... O tempo passou.
Renato que era um homem sensato, generoso, amável, entrou em depressão; tornou-se alcoólatra, brigão, amargurado, e nem por um momento esqueceu a bela Suzana, a quem realmente julgava amar. Cinco anos depois, numa festa do Bom Jesus, cruzou com Suzana e o primo, de mãos dadas e felizes da vida; Renato armou uma emboscada e assassinou o casal.
Quando a lei foi no encalço do criminoso, Renato colocou suas tralhas de pesca na canoa e adentrou o mar; nunca foi encontrado.... Alguns anos depois da terrível matança, nas noites de lua cheia, os ribeirinhos avistaram uma canoa cruzando a foz do Rio Ribeira e se perdendo no mar, o que chamava a atenção era que o pescador não remava a canoa, ele ficava em pé sobre a embarcação, empunhando uma tarrafa, e mesmo contra a maré o barco navegava sem problema.
Seu Milton Campos, foi o único vivente a ficar frente a frente com a visagem; ele reconheceu Renato, um fantasma de olhos vermelhos, pele ressecada, longos cabelos emaranhados, roupas em farrapos. Seu Milton Campos viu a sombra de Renato lançar a sua tarrafa sobre cardumes de tainhas e se perder no mar sem fim, e nesta noite Seu Milton fez o maior lanço de tainhas de sua longa vida.
Até os dias atuais o espectro do pescador apaixonado, e que matou por amor, assombra aqueles que andam à beira-mar nas quentes noites de verão. Os que tiram o seu sustento do mar sem fim, e que muitas vezes perambulam sozinhos, nas noites de lua cheia pelas brancas arreias da praia da Barra do Ribeira, quando avistam a canoa de Renato, sabem que grandes cardumes de tainha se aproximam da costa, e que no dia seguinte à pesca será satisfatória.
Gastão Ferreira/2019