O regresso

Em uma cidade no Plano Espiritual, duas almas conversavam; - “Então, P-575... Desta vez o aprendizado será como professor? Uma mudança e tanto para quem tirou a vida de vinte crianças num atentado terrorista...”

- “Já se passaram cinquenta anos, desta vez vou leve; ontem escolhi o novo corpo, um pretinho básico de 1,80 metros, olhos verdes, atlético e saudável, e você J-750? Também vai voltar?”

- “Loiro, olhos azuis, 1,80 metros, sem nenhum defeito de fabricação, profissão ator de cinema. Provavelmente vamos nos encontrar pelos caminhos da vida...”

- “Será que vamos nos reconhecer, J-750? Nossos mestres afirmam que almas antigas se reconhecem no primeiro olhar...”

- “Espero que sim, P-575... Somos amigos há tantos séculos, prometo que se nossos destinos se cruzarem, vamos nos divertir juntos... Até breve, amigão.”

Vinte e cinco anos se passaram, Pedro lecionava em uma escola pública na Favela Presidente Lulla, cidade do Rio de Janeiro; vida dura de professor, alunos rebeldes, poucos queriam aprender, mas Pedro era esforçado, e até conseguira retirar do mundo do crime algumas crianças, ele era respeitado, e estimado.

Joel não se conformava, pela centésima vez não passara num teste para extra, também, parecia que todo o mundo só pensava em ser ator, modelo, cantor. Não era pelo dinheiro que sonhava com a sétima arte, nascera rico, filho de um político famoso, podia viver muito bem sem trabalhar. Seu problema estava nas drogas, começou leve, mas as drogas pesadas estavam detonando os seus neurônios. O pai cortara a generosa mesada, a mãe escondera as joias, hora de assaltar um otário e tocar a vida.

Raul era o seu melhor aluno, filho de uma garota de programa com um traficante, o menino se esforçava o máximo para fugir do destino aparentemente já traçado; queria ser médico, ajudar as pessoas, salvar vidas, muitas vidas. Pedro tinha um carinho especial por Raul, se no futuro encontrasse a sua alma gêmea, seu filho seria tão amado quanto o menino Raul, faria o possível e o impossível para ajudar o guri; convencera o pai de Raul, Zeca do Rio, a abrir uma poupança para garantir o futuro do filho, dinheiro não faltaria para a faculdade de medicina, bastava Raul se esforçar e chegaria lá.

Segundo a polícia, o tiroteio foi causado por dívidas de drogas; Zeca e o filho voltavam do shopping quando esbarraram com Joel, casualmente o professor Pedro passava pelo local, reconheceu o aluno Raul e foi ao seu encontro... Joel, encurralado pelo chefe do tráfico puxou o revolver e atirou na criança, Pedro se jogou na frente do aluno, e o tiro o atingiu certeiro bem no coração, Zeca descarregou a arma em Joel que morreu na hora, não sem antes acertar Zeca que teve morte instantânea, apenas uma cena banal no Rio de Janeiro.

Os socorristas chegaram rápido, parecia que já sabiam da tragédia; separaram Zeca e Joel que lutavam por uma arma inexistente, acudiram Pedro que permanecia em estado de choque... Pedro recuperou os sentidos, estava equilibrado e feliz, muito estranho para quem fora atingido por uma bala certeira, reparou na dupla de homicidas algemados pelos socorristas; - “J-750! Você, amigo?”

- “P-575? Oh, falhei novamente!”

- “Foi só mais um teste, J-750... Quem sabe na próxima viagem vamos conseguir nos divertir juntos, realmente. Até breve, amigo! Nos vemos na Casa do Pai, assim espero.”

Gastão Ferreira/2017

Gastão Ferreira
Enviado por Gastão Ferreira em 06/08/2021
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