O Saci Pererê
Tupã, o pai de todos, sabia que aquele curumim era diferente dos demais indiozinhos; brincalhão, esperto, conhecedor dos segredos das plantas, protetor dos animais e da natureza. Na mítica Pindorama, os bichos falavam, e interagiam com os humanos, e eles foram os professores do guri; no século XVIII, no sul do país, na divisa do Brasil com o Paraguai, os povos missioneiros fundaram um próspero reino; os Sete Povos, e era lá que vivia o moleque Yasi-Yaterê.
Os reis de Portugal e Espanha não aprovavam a experiência dos Jesuítas; onde se viu ensinar metalurgia, agricultura, música e literatura para os selvagens? Que se destruam os Sete Povos! E assim foi feito, mas o curumim mágico conseguiu escapar, era protegido por Tupã.
O que diferenciava o Yasi-Yaterê dos demais curumins é que ele possuía um rabo, e se a criança nascia com um rabo, era um Saci, coisa raríssima de acontecer. O Saci missioneiro fugiu do Sul e foi aprontar as suas travessuras em Pernambuco; menino índio, com rabo? Não vai durar muito, pensou Tupã, e transformou o guri em um moleque pretinho, bom lutador de capoeira.
Foi numa briga que ele perdeu uma perna, numa luta de capoeira lá no Estado de Pernambuco; perdeu a perna, mas não a batalha, e ainda ganhou de Tupã um gorro vermelho, um capuz mágico para guardar os seus truques. Esperto, este moleque Saci! Aprendeu a se locomover com o vento, a ficar invisível, a dar rasteiras apenas com uma só perna.
Aprontão com as pessoas más, protetor dos animais, amigo das crianças boas; pedindo com educação faz qualquer favor. Acha objetos perdidos num piscar de olhos, indica a planta certa para um bom chá, dá muitas risadas, é feliz, virou lenda.
O redemoinho é a sua condução, todos sabem que onde surge, assim do nada um pé de vento, ali está um Saci. A única maneira de prender um Saci é jogando sobre o rodamoinho uma peneira. Muitos tentaram, pouquíssimos conseguiram capturar um Saci. Cheio de artimanhas, sempre consegue escapar da prisão, pois realiza qualquer desejo em troca da sua liberdade.
De todos os nossos heróis míticos, Negrinho do Pastoreio, Boi Tatá, Curupira, Mula Sem Cabeça, Mãe D’água, o Saci tem a preferência; é ele quem derruba do alto do galho a goiaba madura, mostra aonde o Sabiá fez o ninho, onde o tatú se esconde, onde o menino esqueceu o brinquedo. Ele está sempre por perto; ele é aquele ventinho gostoso que chamamos de brisa, mas também é aquela ventania que assusta.
Quem nunca viu um Saci? Quem nunca se sentiu espionado na hora de uma pequena maldade? Na hora de tirar o biscoito do pote, de puxar o rabo do gato, quando se fala sem querer um palavrão? Pois é! É ele, o menino Saci Pererê, o vigia e protetor de todos os seres pequenos da Natureza; um viva para o Saci, o maior de todos os nossos heróis mágicos.
Gastão Ferreira/2017