Pobres & Nobres
Dona Maria Belinha se aposentou como gari. Vida de pobre, comida de pobre, casa de pobre. Dos três filhos, o mais velho, o Agenor, seguiu o caminho do pai, um senhor pinguço, ambos morreram de cirrose antes dos trinta anos. Marcelo aos dezoito anos embarcou, virou pescador. Visitou a mãe duas vezes e nunca mais voltou. Pode ter desaparecido no mar durante uma tempestade, viajado para um país distante em busca de fortuna, ou talvez enricou; Dona Belinha achava que ele se casou com uma moça rica. A Ritinha, a terceira filha se juntou com moço pobre, tem cinco filhos que vovó ajuda a criar. Crianças amorosas, obedientes, coisa difícil hoje em dia, adoravam a vovó.
Nhá Belinha com seu dinheiro contado, foi o socorro da vizinhança; faltou gás, cortaram a luz, dez dias sem mistura, ela ajudava. Alguns pagavam outros não; é da vida! Ela sabia, já passara por isto. Bicho feio o homem, cospe na mão que alimenta e beija a do opressor. Quando Dona Maria desmaiou, levaram no doutor. “Coisa feia”, disse o médico, “vamos marcar consulta com um especialista”. Seis meses de espera, a fila era grande e ela pobre, morreu dois meses antes da consulta; caixão de papelão, o mais barato, cova de terra, poucas flores. Muitas lágrimas, pobre chora à toa. Dias de tristeza, os netos, os amigos, os vizinhos; - “Que falta fará nhá Belinha! Está com Jesus.”
Seu Osório nunca se aposentou, nasceu rico. Homem de raízes; uma antepassada, por uma noite, foi amante do primeiro imperador. A donzela, aliás ex-donzela, ganhou muitas terras em nossa região. A maior parte das grandes fortunas tem origem na sacanagem, ou na rapinagem, sempre foi assim. A garota de programa voltou pra casa cheia de pose, construiu um casarão, comprou o homem mais bonito; a madame foi infeliz, comprovou que dinheiro não traz felicidade, mas banca comida na mesa, joias, viagens, rapapés e lambe mão.
Quase dono da cidade, Seu Osório usufruiu do bom e do melhor; nariz empinado, cheio de não-me-toque, um finório o safado. Com a esposa não teve filhos. Várias mocinhas românticas ganharam carro, moto, bicicleta, sonho de ostentação de quem nada tem, seus bastardinhos eram apontados como filhos de romeiros, apesar de serem o Osório escarrado. Ah se não fossem os serracimanos! Quanta podridão. Comprava casas na bacia das almas; - “Teu filho foi preso? Me vende a casa, dinheiro na mão, sei que é pouco, mas dá para pagar o advogado, nem precisa agradecer, faço por ter um bom coração.”
Osório não tinha amigos, nem cachorro aturava tanta grosseria. A esposa morreu coberta de joias, todos repararam. Pediu cinco minutos a sós com a defunta, despedida chorosa de quem muito amou. Retirou as joias, tampou o caixão. Disso se soube porque saquearam o túmulo duas noites depois. Seu fim não foi nada bom; assaltaram o casarão, torturaram o velhinho, coisa feia! Cortaram um dos dedo, preço do segredo do cofre. O enterro foi uma festa; comida de primeira, champanha, vinhos caros, caixão coberto com as flores mais caras, velório ostentação. O senhor bispo, confessor do Osório, sabedor de tantos mistérios, afirmou; - “Que falta fará Osório! Homem honesto e bom. Nesta hora ele já está ao lado de Jesus.”
Naquele jazigo de mármore, sempre limpo, sem mato em volta, sempre bem cuidado. Aquele que tem um belo anjo apontando para o céu, repara! Tão bonito e sem flores. Espia o anjo! Com uma mão aponta o infinito, com a outra aponta o chão... O tumulo que ele aponta não é o bonitão; é uma cova simples, nem nome tem. É ali que todo o mês os netos de Dona Belinha depositam algumas flores, flores humildes, destas catadas em jardins alheios, flores de quem pouco tem, mas de quem tem saudade e amor no coração.
Gastão Ferreira/2016