Pulando fogueira
Tempos difíceis, crise feia; muito frio! A meninada quis fazer uma fogueira. Dona Joia, apelido de Dona Esmeralda Fontes & Cabanhas, uma uruguaia radicada aqui no sitio, foi contra; - “Em mi tierra és proibido! Una vez um nino saltou el fuego e el diablo si aposso de su alma.”
Dona Santinha, mulher do pastor Sillas, apoiou Dona Joia; - “É verdade! Deus não gosta que as pessoas fiquem pulando fogueira. Lembro de quando era guria; um moleque de nome Janjão, que Deus o tenha! Saltou uma fogueira e viu o demônio. O menino passou noites e noites sem dormir. Tiveram que dar um canecão de quentão para o guri pegar no sono, virou alcoólatra quando cresceu, morreu mocinho e atropelado por um caminhão na estrada.”
A molecada ficou impressionada com a história, mas mesmo assim fizeram a fogueira. Passaram vários dias catando lenha no mato, as meninas confeccionaram algumas bandeiras de papel e penduraram próximo ao local do evento; cozinharam pinhão, batata doce e pipoca. Caldo de cana para as crianças menores e quentão para as de mais idade. Seu Onofre e sua velha sanfona abrilhantaram a festa.
Coisa de gente inocente. Cantaram “cai, cai balão”, dançaram “o vira” e a quadrilha. O Pastor Sillas quis proibir a quadrilha; - “Quadrilha é coisa de bandido! Não e não.” Dona Milde retirou o filho, o Karston, pela orelha; - “Filho meu, não participa de quadrilha!”, mas eu sei que ela ficou espiando da janela o divertimento, e batendo o pezinho no chão ao ritmo da sanfona.
Quando o fogo baixou, começaram o pula-pula. O menino Marcinho, de oito anos, que quer ser chamado de Suzana quando crescer, teve um chilique, queimou os pés nas brasas. Pedro Estrogonofe roubou um beijo da garota Zuleide e levou um tapa na cara; agora ele tem um novo apelido, Pedro Tapa-beijo. Seu Onofre exagerou no quentão, passou das ingênuas músicas juninas para músicas carnavalescas, concluiu sua cantoria com o famoso “é o boi, é o boi, e é o boi.”
Quando o fogo apagou por inteiro, a maior parte da molecada estava dormindo devido ao alto consumo de quentão; os rapazes e moças reavivaram o fogo, deram mais bebida para seu Onofre, e aí sim, o demônio tomou conta da festinha. Até Dona Joia se divertiu, rodou sua saia cigana e voltou aos tempos de adolescente.
Um sem noção jogou uma bombinha nas brasas; voou faísca para todos os lados, Dona Santinha, que estava de olho na filha Sandra Serelepe, que gostava de aprontar, gritou; - “Janjão Voltou! Fujam. É o demônio!”, a mulher do Pastor Sillas conseguiu acabar com a brincadeira. Eu e meu primo Barrabás comemos o que sobrou dos espetinhos de carne; fim do mês teremos a Fogueira de São João, me aguardem.
Omisso, um cão rural.
Gastão Ferreira/2016