Um tapa na cara
Se tem uma coisa em que a cidade de Iguape é pródiga, é no que se refere a lendas urbanas; são os causos das muitas assombrações que infestam os velhos casarões, dos sacis que assobiam nos rodamoinhos, dos lobisomens que uivam nas noites de lua cheia. São estes pequenos fatos que fazem parte do nosso dia a dia, e qualquer criança que tenha um avô e uma avó sabe de muitos eventos estranhos; digo avô e avó porque os pais modernos, entretidos com os seus celulares, quase não conversam com seus pimpolhos, e sobra para os mais velhos repassarem nossas histórias seculares.
A menina Leocádia não acreditava em visagens, alma do outro mundo, nos elementais, nos seres invisíveis que povoam e guardam nossas florestas; também não acreditava em mula sem cabeça, saci, pote de ouro no fim do arco-íris, e em outras e outras coisas do além.
Leocádia foi uma criança de sorte, conheceu e conviveu com bisa Marina, a pessoa que teve a vida mais longa nestas paragens, passou dos 120 invernos vendendo saúde e com invejável memória; ela tentou passar para a bisneta muitas das nossas lendas, inclusive algumas em que ela era a personagem principal.
Leocádia cresceu agnóstica, ela adorava esta palavra, achava linda e dizia de boca cheia; - “Sou agnóstica, e daí? Vai encarar! ”, na verdade resquícios da geração paz & amor que acabou com o velho mundo e não deixou um novo no lugar.
É bom lembrar que Agnóstico é aquele que considera os fenômenos sobrenaturais inacessíveis à compreensão humana, que foi o caso da jovem Leocádia, até que algo inusitado ocorreu, e mudou a sua vida para sempre...
Leocádia não é mais a menina meio bicho-grilo, agora é uma senhora Mãe de família e vovó; no alto do Morro do Pinheiro tem uma caixa d’água, é o lugar mais alto nas proximidades da cidade, e este morro sempre foi famoso por suas visagens e aparições relâmpagos de moças de branco, imensos cães negros, gritos na escuridão, som de galhos de árvores se quebrando, sombras dentro das sombras; depois do escurecer ninguém para em frente a caixa d’água do Morro do Pinheiro.
Leocádia e uma amiga estavam se dirigindo à Barra do Ribeira, era perto da meia noite; o veículo à 20 por hora venceu a subida do morro, quase parando frente a caixa d’água, Leocádia pôs a cabeça para fora da janela do carro, e levou o maior tapa na cara!
Não foi apenas um tabefe, foram vários! Ninguém a vista, a amiga que a acompanhava ouvia o estalar da mão invisível no rosto de Leocádia. O pavor tomou conta das duas, quase se acidentaram na íngreme descida do morro, só pararam o automóvel na balsa para a Barra do Ribeira.
Leocádia conta aos netos a sua história; a menina sorri, puxou a avó agnóstica. O menino parece entender que tem muita coisa sem explicação neste mundo de Deus... Leocádia lembra da bisa Marina e pensa; - “Perdi muito por não acreditar, benza Deus! Perdão, bisa Marina. ”
Gastão Ferreira/2020
Observação; baseado em fatos reais.
.