Dona Vina

Dona Jandira gostava de dormir cedo, mas naquela noite acordou assustada com os gritos vindos da casa da comadre Vina, sua vizinha e mãe de Cleudinara sua afilhada; levantou apressada e correu até a casa da amiga. Dona Vina estava encolhida junto ao fogão a lenha, tremia feita vara verde, face molhada, olhos esbugalhados; - “O que aconteceu, Vina? Por que toda essa gritaria?”, indagou Jandira.

- Cheguei agorinha mesmo do culto, e passei por nhanhá Eufrásia...

- Nhanhá Eufrásia, a vidente?

- A própria! A bruxa me encarou de cima em baixo, e disse que o capenga vem buscar antes do raiar do dia...

- Capenga? Será que não foi capeta, o nome que ela falou?

- Não, tenho certeza que ouvi dizer capenga...

- Pura bobagem! Nhanhá Eufrásia não está com essa bola toda, fica dia e noite bebendo pelos botecos, proseando com essa gentalha que fica horas nas janelas cuidando da vida alheia, essa gentinha que costuma sentar pelas esquinas...

- É, mas ela previu a morte de Dita Cheiro-verde, e acertou...

- Qualquer vivente acertaria que Dita Cheiro-verde estava com os pés na cova, a mulher tinha câncer e não parava de fumar...

- Sei não! Eu estou apavorada...

- Que é isso, mulher? Acabou de chegar do culto e já jogou Jesus na cesta de lixo. Tenha fé, nhanhá! O sangue de Jesus tem poder, irmã.

- Amarra ela, Jesus!

- Isso mesmo, reaja! A bruxa velha só quis te assustar, ela ainda não perdoou você pelo roubo do namorado, na juventude...

- Godofredo nunca foi namorado da Eufrásia, dizem que ela arrastava uma asinha por ele, chegou mesmo a costurar a boca de um sapo com o meu nome dentro, mas depois conheceu Eduardo Luiz, e sossegou...

- Sossegou coisa nenhuma! A morte de Eduardo Luiz nunca foi explicada. Morrer tão jovem e deixar uma viúva bem de vida; aí, tem!

- Só sei que a fama de macumbeira de nhanhá Eufrásia vai longe, para cada carrão aí na porta dela...

- Vina, logo você uma ovelha do rebanho do Senhor, acreditar em feitiçaria, me poupe!

- Comadre, e se ela estiver certa e o capenga vier me buscar?

- Capenga não busca ninguém, Vina! Se fosse o capeta, a coisa ruim, o tinhoso, eu ainda ficaria receosa, mas capenga, eu hem! E outra coisa, por que esta peruca ridícula e óculos escuros são dez horas da noite?

- É para o capenga não me reconhecer...

- Só por Deus, vá dormir mulher... Qualquer coisa grite o meu nome; boa noite, comadre.

Cinco minutos após a meia-noite, nhanhá Jandira acordou em sobressalto, parecia que ouviu a comadre Vina lhe chamar, foi espiar no portão e notou a porta da comadre escancarada, os óculos e a peruca no chão... Foi até lá e Cleudinara estava em estado de choque; - Que aconteceu afilhada!

- Dinda, eu estava aqui comentando com a mamãe sobre a quarentena, alguém bateu na porta e ela foi atender, ouvi nitidamente ela perguntar; - O que o senhor procura?

- Procuro por Vina Saracura...

- Sou eu, mas eu lhe conheço?

- Devia conhecer, vim lhe buscar...

- Afinal, quem é você?

- Sou o capenga!

- Mamãe deu um grito, chamou pelo seu nome madrinha, a porta se abriu totalmente, um vento frio entrou, e eu ainda vi uma figura de capa preta pegar nas mãos de mamãe e ambos sumirem no ar... O meu Deus!

Gastão Ferreira/2020

Gastão Ferreira
Enviado por Gastão Ferreira em 02/08/2021
Código do texto: T7312112
Classificação de conteúdo: seguro