Histórias que a Princesa não conta
Histórias que a Princesa não conta
- Dia de finados –
Dizem que no Dia de Finados, São Pedro abre as portas do céu e permite que as almas dos mortos venham visitar os vivos; Dona Delma estava ali, na escadaria da Igreja do Rosário, sentadinha, quietinha, espiado as novidades e espantada com as modernidades, havia vinte anos que partira de Iguape, e estranhava o movimento, um tanto fraco para uma sexta-feira à noite.
- “Moça, tem como arrumar dez Reais para eu comprar um lanche?”, perguntou uma garota toda estilosa.
- “De onde venho, não usamos dinheiro...”
- “E de onde a senhora vem?”
- “Estou chegando agora do Purgatório...”
- “Cheirou o quê, tia? Purgatório não é aquele lugar para aonde vão os mortos indecisos?”
- “Como assim, indecisos?”
- “Gente igual a mim, nem bom e nem ruim...”
- “Acertou! É de lá que estou chegando. Depois de vinte anos é a primeira vez que tenho permissão para passar um dia na Terra...”
- “Caramba! Vinte anos e escolhe justamente um Dia de Finados para passear. Não era para a senhora estar ao lado do seu túmulo, ouvindo a choradeira dos familiares?”
- “Olha aqui, criança! Eu era da pá virada. Vinte anos sem visitar a Princesa, eu quero mais é farrear, cair na gandaia, chapar o cocô; estou aqui na espera do Supimpa abrir as portas...”
- “Lamento, tiazinha! O Supimpa agora é uma igreja...”
- “Pelas barbas do Bonje! Terei de ir ao Alvorada...”
- “Também é uma igreja...”
- “Não me diga! Sem problemas, passo a noite no Primavera...”
- “Fechou há muitos e muitos anos...”
- “Meu Bonje! Jamais pensei em frequentar o Sandália de Prata, mas...”
- “Não existe mais...”
- “Menina! O que aconteceu com a Princesa? Todo o mundo virou crente? Ninguém mais bebe, ninguém mais fuma, não rouba, não dão mais pitoco...”
- “Nada à ver, as noites iguapenses continuam calientes, muita droga, sexo e bebedeiras...”
- “Pelo poder do Santo Sepulcro, protetor dos mortos, vou atravessar a passarela e dançar até raiar o dia no Rocio...”
- “O clube de lá, também fechou! Desista, tiazinha.”
- “Pelo manto vermelho do Meu Senhor! Acho que terei de frequentar uma igreja e desistir do Purgatório, e nunca mais voltar exatamente num Dia de Finados...”
- “E aí, tiazinha! Vai ou não vai arrumar os dez Reais?”
- “Já disse que não tenho dinheiro, sou uma visagem...”
- “Visagem ou não, passe a bolsa ou vai levar um tiro na cara...”
Nesse momento, chocada, Dona Delma desapareceu no ar; a pedinte drogada, caiu na risada e comentou; - “Eu estou nóia, super-nóia. Nem posso contar essa história, vão pensar que eu estou chapada, e eu sou normal...”
Gastão Ferreira/2018