Pedra de Corisco
Diz a lenda urbana que quando se forma uma trabuzana, da trovoada salta um raio, nele vem uma pedra, que o caiçara chama Pedra de Corisco; é esta a pedra que todas as grandes tempestades vêm buscar após sete anos.
Quando Zefa Pacau varreu o pé de seu irmão Jonas Pacau, não imaginou a negra sina que atraiu para o guri; de menino viçoso, passou à garoto combalido, derreado, vivia atacado de jojoca, com dor de perê e dor no apa. Um enfistulado dos grandes, sempre adoentado, afastava tanto as garotas de boa índole como as lambisgoias, e também as namoradeiras; um pé frio de primeira foi agraciado com o apelido de Jonas Pé Barrido.
Exímio consertador de peixe, Pé Barrido passava dias e dias pescando nos muitos rios da região; numa destas pescarias, ficou sabendo dos inúmeros benefícios da Pedra de Corisco, dentre eles a anulação da maldição da varrição dos pés.
Procura daqui, procura dali, difícil de achar a tal pedra; uma delas foi avistada caindo no Rio Peroupava, era um bola de fogo gigante, depois se ficou sabendo que era um ovni, mas nem a marinha descobriu o paradeiro do disco-voador. Também algo caído do céu causou um pequeno incêndio na casa de uma moradora do Funil de Cima; Pé Barrido foi confirmar e ficou sabendo que era a vareta incandescente de um foguete, destes que povoam os ares na Passagem de Ano, Dia de Reis, Festa de São Benedito, Festa da Manjuba, Festa de São Pedro, Festa de Nossa Senhora, Festa de Cosme & Damião, Parada Gay, Festa de Iemanjá, Festa do Bonje, Festa da Tainha, Festa de Ogum, Festa do Robalo, Saída do Boitatá, do Galo, do Banho da Dorothéa e outras 275 festas que ocorrem na Princesa durante um ano normal.
O sonho de Pé Barrido era arrumar uma namorada, uma bisca qualquer para chamar de sua, mas a praga dos pés varridos era fatal, e ele passou à ser apontado como um exemplo à ser evitado; - “Viu no que deu! A irmã varreu os pés do coitado, por pirraça, azedume, maldade, e ele vai morrer solteirinho da Silva, nem as rezas e saricoticos de Pai Zé Lindão deram jeito; esse, já era!”
Pé Barrido tinha todas as doenças do mundo, e mais algumas que ainda não descobriram, mas ele também tinha algo que chamava à atenção; era tremendamente inteligente, um gênio sem lâmpada, um Einstein caiçara... Após mil cálculos, consulta aos velhos jornais, entrevistas com pessoas com mais de cem anos, ele descobriu o local exato onde um raio alojou uma Pedra de Corisco.
Foi difícil escalar o imenso paredão rochoso, mas ele a custo consegui; realmente a Pedra de Corisco estava alojada numa cavidade da rocha. Era uma pedra linda, matizada de todas as cores do arco-íris; quando Pé Barrido tocou na pedra, sentiu uma energia estranha fluindo da rocha para ele. Sentiu-se forte, rejuvenescido, sarado, de bem com a vida, e com a certeza que a maldição tinha findado; pela primeira vez na vida, podia afirmar que era feliz.
Começou a descer da grande rocha, notou que uma grande trabuzana estava em formação, não podia apressar a descida, era suicídio na certa; retirou do bolso o recorte do jornal onde encontrara a notícia da queda da Pedra de Corisco, e foi então que notou a data da publicação; hoje estava fazendo exatamente sete anos que a pedra caíra do céu...
Jonas Pé Barrido desapareceu da nossa história; alguns dizem que ele vendeu a Pedra de Corisco por uma fortuna e foi morar no exterior, outros afirmam que ele virou fumaça na hora em que a tempestade pegou de volta a Pedra de Corisco, mas na verdade ninguém sabe, ninguém viu. Que sua triste história sirva de lição; jamais deixe alguém varrer os seus pés.
Gastão Ferreira/2019