A visagem do Morro do Pinheiro
Quem sai de Iguape em direção à Juréia, via morro, desfruta de uma vista magnifica do lagamar, contorna montanhas, divide a estrada com pássaros e animais silvestres; tanto faz que tenha sol ou chuva, o caminho é seguro, a paisagem deslumbrante, tem o cheiro de maresia, tem o cheiro de ar puro.
Sobe morro, desce morro, passa por curvas e retas quase encobertas pela luxuriante vegetação; muita paz, muito sossego... Ledo engano! Ali, logo após a Toca do Bugio, um pouco antes da subida do Morro do Pinheiro, naquela parte da estrada onde as copas das árvores parecem se abraçarem por sobre a pista, muita gente já passou por apuros, sustos, pavor; é ali que nas noites sem luar costuma aparecer o fantasma de uma moça de branco, seus longos cabelos flutuam sem a menor brisa, e seus pés parecem não tocarem o chão. Ela é conhecida como “a visagem do Morro do Pinheiro”.
Todos na cidade conhecem a fatídica história de Dito Negrão, o último encarregado de ficar de vigia no alto do Morro do Pinheiro. Era ele o rapaz que avisava, através de sinais de fumaça, ao vigia do Morro do Espia, da chegada dos temidos piratas e corsários que infestavam o Mar Pequeno, saqueando as vilas da região.
Dito Negrão acabara de completar dezoito anos, recém casado com Armandina, filha de nhô Quico da Enseada; estamos no Ano da Graça do Senhor de 1786, e Armandina com a idade de quinze anos, muitas e muitas vezes ficava sozinha no postinho de vigia do marido. Naquela noite Dito Negrão se ausentara do posto de observação, estava na vila visitando a mãe adoentada, e foi naquela noite que os piratas atacaram a cidade.
Muitas donzelas foram raptadas, vários casarões saqueados, muitos mortos e feridos, os armazéns do Porto Grande incendiados; temendo o pior com a esposa, Dito Negrão se embrenhou na mata, pois os navios piratas dominavam o lagamar, e partiu na escuridão para o Morro do Pinheiro. De longe avistou o incêndio, os invasores haviam queimado o posto de observação, e Armandina ficara de vigia no posto.
Armandina estava morta, sofrera horrores na mão dos flibusteiros; Dito cego de ódio, acabou se jogando ao mar ... E o tempo passou. Alguns séculos depois, uma picada foi aberta na mata, a trilha passava bem na frente aonde estava a cabana de Dito e Armandina, e desde então o fantasma da menina-mulher começou a assombrar quem passa, perto da meia-noite, pelo local.
Conta a lenda urbana que Armandina, até os dias atuais, ainda procura por Dito Negrão; do outro lado da vida não encontrou o marido, pois tendo ele tirado a própria vida, seu espírito ficou vagando entre o mundo físico e o espiritual. Hoje temos uma estrada asfaltada, ligando Iguape à balsa para a Juréia, quem conhece a história de Armandina e Dito Negrão, o último vigia, tenta não passar após as 23 horas pela Estrada da Barra. Na semana passada, um motoqueiro desavisado, quase morreu de susto ao se deparar com Armandina no meio da pista. Brecou a moto pensando que era uma moça fantasiada e qual não foi o seu espanto quando a visagem veio flutuando em sua direção, e sussurrou em seu ouvido; - “Vosmecê, viu o Dito Negrão por aí?”
Gastão Ferreira/2019