O diabo da Passarela do Rocio
Eis uma história de assombração moderna, um causo que poucos viventes souberam, algo que foi mantido secreto entre os muitos segredos da Princesa do Litoral. Aconteceu há menos de vinte anos com Jajá Guaiamu; naquela época o clube Supimpa era o ponto de referência para a mulherada da melhor idade, local ideal para descolar um amor bandido, um amor fatal, um amor passageiro, um amor para toda uma vida, um amor, um amor qualquer.
Jajá Guaiamu, pode-se dizer era uma azarada, nem completara dezoito anos e com três filhas, uma de cada pai, e todos anônimos... A primeira filha Anabela, era fruto de um encontro furtivo com um turista no carnaval, a menina foi fabricada debaixo do Boi Tatá, e Guaiamu no atropelo do momento, nem perguntou o nome do rapaz.
A segunda filha, Clarabela, foi produzida sem querer por um motorista que ofereceu carona à Jajá, e na metade da viagem veio com o famoso “ou dá ou desce”. Era noite e Guaiamu nem consegui ver a placa do carro, e com medo de levar uns tapas nem abriu a boca para saber o nome do dono do veículo.
A terceira filha Angelina era filha do diabo. Sim! Filha do tentador de Nosso Senhor, do tinhoso, do capeta. E tudo começou com um grande porre no Supimpa; Jajá Guaiamu bebeu todas, e quando ela bebia todas não tinha para ninguém, o mundo era dela, o marido da outra era dela. Todos sabem que pé de bêbado não tem dono, pois em Jajá nada tinha dono, e o pior, torrada aprontava todas e todos se afastavam da cachaceira com medo de algum bafão.
Podre de bêbada, expulsa do clube por comportamento indevido, sem amigas íntimas, cheia de inimigas, solitária ao extremo, Jajá atravessou a passarela; seus pensamentos eram negros, queria morrer.... Debruçou no parapeito da passarela, e nesse momento alguém se achegou; -“Pensando em se matar, Jajá Guaiamu? ”
- “Esta minha vida é muito cruel, tudo bem! Eu batia na professora, desisti de estudar, vivo de fazer bicos, duas filhas para criar e sem pensão dos pais, e a única coisa que eu realmente queria de verdade era um homem para chamar de meu...”
- “Pois achou, olha eu aqui! Aliás você está muito charmosa, e este perfume delicioso de pinga Paletó Vermelho, é muito inebriante...”, e foi se esfregando na rapariga, cheirando aqui, ali, acolá, acabou deixando a moça pelada, eram três da manhã e à noite era uma criança...
O sacristão Abelardo estava a caminho da igreja, e ao se deparar com toda aquela indecência bem no meio da passarela, gritou; -“Valei-me meu Bom Jesus de Iguape! ”, imediatamente a figura que estava de nheconheco com Jajá se atirou da passarela, a bebedeira de Guaiamu passou, e ela se tocou que tivera um chega-mais com o capeta, e o pior não perguntara o nome do dito cujo.
Nove meses depois, Angelina chegou; nem parecia filha do cão. Não dava trabalho, não chorava, linda e fofinha. Ela foi a salvação de Jajá Guaiamu, que largou a vida louca e se converteu, agora era irmã Janaína Maria de Jesus, Guaiamu estava em seu passado, morta, enterrada e esquecida, mas Janaína jamais esqueceu o diabo da passarela, tinha certeza que o sujeito era o tinhoso. Era gostoso demais para ser gente, só podia ter sido visagem. Mas será que assombração faz filho? Ainda bem que o sacristão Abelardo nunca contou nada para ninguém, e o causo permaneceu em segredo, o ruim é que mais uma filha sem pensão alimentícia; é muito azar!
Na noite em que Angelina completou quinze anos, aluna aplicada, muito inteligente, que sonhava em fazer medicina mesmo sabendo que era pobre e que jamais realizaria seu sonho, algo inusitado ocorreu; caiu o maior toró, muito vento e neblina... Próximo à meia-noite alguém bateu na porta da casa de Janaína de Jesus, ela estranhou; - “Quem poderia ser uma hora desta, e com um tempo tão feio? ” Abriu a porta.
Vestia uma capa preta, rosto escanhoado, tez morena, cabelos pretos, aparentando vinte e poucos anos, de uma beleza sem par, olhos azuis, a mesma cor dos olhos de Angelina, aliás seus traços fisionômicos eram os mesmos dos da terceira filha de Jajá Guaiamu; -“Com licença! Vim ver a minha filha e trazer um presente...”, Janaína desmaiou, mas isto é uma outra história.
Gastão Ferreira/2019