O lobisomem do Rio Sorocabinha

Um ano após a formatura de Angelina, vovó Cotinha quase teve um piripaque; numa manhã ensolarada, um Uber com placa de Santos parou a sua porta. Uma senhora, um tanto obesa, curvada ao peso de correntes de ouro, anéis, pulseiras, e joias diversas, mais parecendo uma vitrine de joalheria do que uma pessoa normal, chamou por seu nome e gritou; - “Mamãe! ”

Era Mercedes Del Rio, agora uma matrona de certa idade, a danadinha conseguira escapar do harém do xeique árabe, e na fuga trazer consigo algumas joias surrupiadas das demais odaliscas, suas companheiras de infortúnio. Abraçou a velha mãe e com os olhos marejados afirmou; -“Mamãe, família é a coisa mais importante do mundo, cruzei mares para voltar ao meu amado lar...”

- “Tem razão, Mercedes! Família é muito importante e foi por isso que você simplesmente largou Janaína nas minhas costas e foi se divertir mundo a fora...”

- “Opa, não precisa jogar na minha cara que fui uma mãe ausente, puxei pela senhora! Vamos pular esta parte sórdida da nossa história familiar e tomar um champanhe...”

- “Não bebo mais, querida! Graças aos alcoólatras anônimos estou livre deste vicio nefasto, mas como é champanhe, coisa fina, aceito uma tacinha...”

Não só mataram a saudade como também uma caixa de champanhe francesa, e fizeram mil planos, e partiram para os finalmente; Mercedes montou um bar diferenciado, o “Mercedes Bar”, conhecido no bairro como “el ninho de amor”, dando emprego as suas duas netas Anabela e Clarabela, e gerenciado por Dona Cotinha que já não tinha idade para o árduo trabalho de entreter a freguesia com mil beijos calientes.

Neste meio tempo, quem estava numa boa era Janaína Maria de Jesus, até remoçara depois que conquistara um homem para chamar de seu; Pedro Parente era o sonho de consumo de qualquer zinha solitária, sangue de lobo, na verdade estava mais para guaxinim, pois sendo um lobisomem caiçara, sua alimentação básica era caranguejo e peixes. Janaína não gostou de ver a mãe, as filhas e a avó tocando uma casa de tolerância, mas fazer o quê, todos temos que de alguma forma ganhar honestamente o próprio sustento.

Quando Angelina, agora médica, veio visitar a família não estranhou o rumo que tinham tomado, seu pai o capeta, já lhe informara sobre as novidades. Na verdade, com os novos tempos, a mudança nos costumes, as modernidades, tudo era normal. Seus familiares aproveitaram a visita para matar a curiosidade sobre o capeta, queriam saber como era a convivência de Angelina com o pai; -“Interessante! Todos vocês já ouviram falar de meu pai, e desconhecem o nome real dele...”

- “Qual o nome do seu pai, Angelina? ” Perguntou Mercedes Del Rio.

- “A senhora conheceu muito bem papai, na sua juventude vovó Mercedes”, e sussurrou um nome no ouvido de Del Rio.

- “Meu Bonje! Eu não acredito. Então, ele não é o diabo? ”

Quem é? Quem é? Perguntaram todos ao mesmo tempo, e Mercedes Del Rio respondeu; -“É o famigerado e rico coronel Heliodoro Teixeira Joio de Alencar...”

- “Não pode ser! O coronel Heliodoro de Alencar é uma lenda urbana”. Disse Clarabela.

- “Não apenas uma lenda urbana, mas viveu há mais de duzentos anos, e desapareceu misteriosamente quando fez um pacto com o tinhoso...”, afirmou Anabela.

“Com certeza é o coronel Heliodoro”, pensou Pedro Parente, “pois foi ele quem me transformou em lobisomem no ano de 1786, quando os piratas cercaram a cidade, e raptaram Edileusa Paranhos Fortes Ribeiro de Oliveira e Alencar, a menina Leusinha, a luz dos olhos do coronel e amada filha, mas isto é uma outra história, e eu não posso contar...”

- “Pensando bem, tem tudo a ver; na juventude tive um encontro com o coronel Heliodoro, um flerte passageiro... Não, não! Ele não é o pai de Janaína. ”, disse Mercedes Del Rio.

- “Eu também tive um caso, digo um entrevero com o coronel na minha juventude, mas aqui na cidade, qual a menina da pá virada que não levou uns amaço do coronel Heliodoro? ”, comentou Dona Cotinha.

- “É, não é de estranhar que eu seja filha do capeta! Que família exemplar, a minha...”, falou Angelina.

- “Angelina, o que você poderia nos contar sobre o seu pai? ”, perguntou Anabela.

- “Querida irmã, papai é incrível, e vocês não vão acreditar no que eu vou contar...”, bem isto é uma outra história.

Gastão Ferreira/2019

Gastão Ferreira
Enviado por Gastão Ferreira em 29/07/2021
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