Lindinha, a doida
Benedita Helena Pereira, possuía profundas raízes caiçaras, um de seus antepassados foi Romualdo Ébano Pereira, colega de infância dos indígenas Itaguá, Peruíbe, Jureia, e Itanhaém, isso no período pós descobrimento da Ilha de Vera Cruz, que os nativos teimavam em chamar de Pindorama.
Helena Pereira, a nossa Benedita, atendia pela alcunha carinhosa de Lindinha, apelido colocado por sua avó, que achava a neta a última capivara do rio Sorocabinha. Benedita cresceu entre mimos, e a boa vida que somente um caiçara da gema pode dar à uma amada filha, pois todos os sonhos da guria eram realizados, custasse o que custasse.
Na verdade, Benedita Helena era uma chata, uma idiota, uma anta; nunca saiu do ensino fundamental, nem sequer possuía beleza física, e muito menos espiritual. Morava no centro da cidade, num casarão centenário, a família era proprietária de uma afamada casa de secos e molhados, e era o dinheiro e o poder do ouro quem comprava todos os salamaleques com que a mocinha era tratada.
Quando o circo “Irmãos de Gideão” chegou a cidade, e o palhaço Florêncio saiu a chamar espectadores, Lindinha correu até a sacada do casarão, e viu o galante mancebo sobre um elefante, e se perdeu de amores, e jurou que fugiria da cidade com o pessoal do circo.
O palhaço Florêncio era noivo da ciumenta e bela trapezista Ismênia del Mar, filha do grande mago Hildebrando, o Magnífico. Quando del Mar se tocou da paixonite de Lindinha por seu noivo, na primeira oportunidade teve uma conversa em particular com Benedita Helena.
Benedita se mostrou arrogante, dona do mundo, e Ismênia fez o que já fizera dezenas de vezes. Pegou a varinha mágica de seu pai, o Magnífico, e transformou Lindinha em um camundongo, e só então pode conversar civilizadamente com a aprendiz de dondoca; - “ Vou te dar de presente para o meu pai, você fará parte da atração “ratos dançantes”, nunca mais voltará a ser gente, e pode esquecer de Marco Antônio Fortes Oliveira, conhecido como o palhaço Florêncio. ”
O desaparecimento repentino de Lindinha era o assunto do dia; não podia ter fugido da cidade, pois nenhum navio deixara o porto. Tem mais de dez anos que nenhum pirata atrevido rapta uma bela donzela, e beleza não é o forte de Benedita Helena; - Que será que aconteceu?
Nesse meio tempo Lindinha comia o queijo que o diabo preparou; morando numa gaiola com outros “ratos dançantes”, vigiada dia e noite pelo gato Noel, sendo obrigada a dançar para o distinto público três vezes ao dia, constantemente ofendida e humilhada pelos outros ratos, que pelo péssimo comportamento se apercebia que eram ratos de esgotos, nojentos, imundos, pobres, bicho criados na sarjeta, menos o Rato Henrique, o único que tratava Benedita com a devida consideração.
A história de Henrique era trágica; formado em medicina, morando na cidade de Rio de Janeiro, foi procurado por Hildebrando, o Magnífico. O mago pediu uma receita para comprar algumas drogas ilícitas e doutor Henrique se negou a atender o pedido, e foi assim que se transformou em mais um rato dançante, sendo o único do grupo que sabia como inverter o feitiço, e só não o fez porque ainda não conseguiu se apossar da varinha mágica.
O circo estava sendo desmontado, o navio que seguiria para a Argentina já ancorado no Porto Grande; o Rato Henrique conseguiu pegar a varinha mágica do Magnífico, e fugiu para a Fonte do Senhor com a Rata Lindinha, e por lá ficaram escondidos até a partida do navio para só depois voltarem a forma humana. O problema era que a história era tão mirabolante que nem poderiam contá-la, quem acreditaria numa coisa tão estranha e doida...
Na volta a forma humana, quando Henrique viu como era a verdadeira Lindinha, preparou uma infusão de folhas soníferas e ofereceu à moça, e assim que ela dormiu, tratou de se escafeder no mundo e desapareceu sem deixar vestígios.
Após acordar do narco-sono, Benedita Helena Pereira, voltou para a casa paterna; muito perturbada, não soube explicar direito o que realmente aconteceu, ninguém acreditou no que ela tentava contar, e todos se perguntavam; -“Que será que ela fumou? ”. A Princesa do Litoral sempre teve uma fama surreal; lobisomens, boitatá, sacis e mulas-sem-cabeça, fazem parte do seu dia a dia, e a Benedita foi apenas mais uma personagem que virou uma lenda urbana conhecida como Lindinha, a doida.
Gastão Ferreira/2019