Irmã Camélia
Contam as lendas urbanas que no final dos anos trinta do século passado, viveu na Princesa do Litoral uma moça de nome Ismênia Adelaide, de uma família piedosa, hospitaleira, muito rica e zelosa do próprio sobrenome.
Outro tempo, outra época, outros costumes; a cidade possuía um grande porto, e muitos visitantes vinham de lugares distantes para conhecer um famoso santuário existente na cidade, participar de festejos religiosos, barraquear e espiar as novidades trazidas pelos navios de além-mar.
O porto atraia todo o tipo de gente; aventureiros, beldades em busca de maridos ricos, maridos ricos em busca de mulheres bonitas para uma aventura fora do casamento, mocinhos e mocinhas pobres querendo fazer um pé de meia através do famoso golpe do baú, dondocas endinheiradas e feias em busca de um rapaz bonito ou amores passageiros, enfim, gente a caça de prazer, a procura de ouro, serenatas, saraus, e outras coisas pecaminosas.
Ismênia Adelaide era assídua frequentadora da missa das seis da manhã, a primeira do dia. De família abonada, passava o restante do tempo visitando as lojas de secos e molhados, armarinhos, convescotes na Fonte do Senhor, passeio entre os navios do porto, uma vida mansa de herdeira sem preocupações financeiras, e cheia de amor para dar; uma ovelha no cio à procura de um pastor solitário.
Dizem que o ócio chama o capeta, e Ismênia não fugiu à regra, sendo assim, toda a noite saía sorrateira do casarão paterno e se dirigia ao cais, e por lá era conhecida como Emanuelle François, uma francesa depravada que além de tirar a roupa, também cantava, dançava e encantava os endinheirados senhores de engenho; para não ser reconhecida, usava uma máscara de tigresa.
Emanuelle François conheceu o marinheiro Pietro Dimarti, um italianinho esperto e sedento de amor, o romance deu no que falar, e quando amor verdadeiro se mistura com paixão, sempre dá encrenca, e assim o italiano Pietro Dimarti descobriu que a francesa Emanuelle François não era francesa e nem Emanuelle, e sim a simplória e rica Ismênia Adelaide, perdidamente apaixonada por ele. Por sua vez a francesa Emanuelle descobriu que o seu amado italianinho Pietro não era italiano e nem se chamava Pietro Dimarti, o safado era o padre Zezinho Quinze, auxiliar do vigário e responsável pela missa das nove e das dez horas na igreja matriz.
Padre Zezinho não era fácil, oh sujeitinho tarado! Bolou um plano para se encontrar todos os dias com Ismênia, sem levantar suspeitas e nem perder a batina; transformou a jovem Ismênia Adelaide em irmã Camélia, uma religiosa que prestava caridade na zona rural do município e estava hospedada no Hotel São Paulo, e toda a noite o bom padre confessava a freirinha no hotel.
Eles foram os nossos Romeu e Julieta caiçaras, quando Ismênia Adelaide engravidou, padre José Quinze indicou os serviços de Pai Lindinho de Ogum, um babalaô um tanto enrustido, e profundo conhecedor de todas as ervas, grande fã da beladona e da maconha; o pai de santo aconselhou alecrim do campo para resolver de vez a situação. Ismênia comprou alecrim do mato, achando que era do campo, e acabou morrendo envenenada.
Padre Zezinho Quinze foi imediatamente transferido para Cananéia, e o escândalo sufocado no nascedouro, o silêncio do porteiro noturno do hotel, foi comprado, e a vida continuou como se nada tivesse ocorrido, mas desde então muitas pessoas notaram uma freira saindo altas horas da noite do Hotel São Paulo, e se dirigindo à igreja matriz.
Quem tem o azar de cruzar com a visagem conta que a irmã de caridade apresenta o habito sujo de sangue, olheiras profundas, a mente perturbada, pois além de encarar o espantado transeunte com suas órbitas vazias, sempre pergunta; - “Você viu o padre Zezinho? ”, e depois simplesmente desaparece no ar.
A lenda de Irmã Camélia foi quase esquecida, outras visagens famosas surgiram na Princesa do Litoral; todos acreditaram que a freirinha finalmente encontrara a paz, mas há três semanas cinco pessoas, em dias e horários diferentes, juram que deram de cara com Irmã Camélia bem na frente do Hotel São Paulo, então vocês que andam altas horas da noite pelo centro antigo da cidade, fiquem espertos, caso avistem uma freira com o hábito sujo de sangue, caminhando sozinha, mudem de calçada imediatamente, ou aguentem as terríveis consequências do encontro macabro.
Gastão Ferreira/2019