O bracelete de prata
Há muitos e muitos anos uma terrível epidemia devastou a cidade, algumas famílias foram totalmente dizimadas. As pessoas contaminadas eram levadas para a chácara Porcina, nos arredores de Iguape, e, ali deixadas aguardando a morte. A chácara foi relegada ao abandono, pois seu proprietário também falecera. O tempo passou, a epidemia foi esquecida e a vida continuou serena na pacata cidade.
Marcelo era um sonhador. Pouco estudou, sem uma profissão definida, vivia da prestação de pequenos serviços. Nas horas livres gostava de um banho de cachoeira, a queda d’água mais próxima de sua residência ficava justamente na Porcina. Muitas moças e rapazes de sua idade faziam uso do local em ruínas, foi assim que Marcelo conheceu Shirley.
O que chamou a atenção de Marcelo em relação à Shirley foi à melancolia estampada no rosto jovem. Um halo de tristeza envolvia seu semblante. Sentava-se na grande pedra junto à cascata, não dando a mínima aos alegres frequentadores do local.
Marcelo tomou coragem, venceu a timidez, aproximou-se da garota. Realmente era encantadora. Pele alva, olhos verdes e sedosos cabelos castanhos. Um bracelete de prata enfeitava seu pulso, um presente de dias melhores, uma lembrança do passado. Tornaram-se amigos.
Shirley confessou que a tristeza que a dominava era devida ao fato de nunca ter sido amada de verdade, pois segundo acreditava somente um grande amor lhe daria a paz de espírito. O sonhador Marcelo ficou perdidamente enamorado.
Shirley jamais permitiu que Marcelo a acompanhasse de volta a casa. Não queria que o pai soubesse de seus passeios, também não tinha certeza de que Marcelo realmente a amava. Marcelo não sabia o que fazer para provar a realidade de seus sentimentos e Shirley pediu-lhe uma prova de amor. Era um antigo sonho, uma tolice, mas caso Marcelo o realizasse ela seria totalmente sua para sempre.
O desejo de Shirley era compartilhar numa noite de lua cheia, a meia noite seu primeiro beijo com o homem de sua vida e que este ritual se realizasse sobre a pedra onde sempre ficava a admirar o grupo de jovens na Porcina. Marcelo consultou um calendário e imediatamente marcou a data para o encontro, daria à Shirley a prova de seu amor.
Marcelo chegou adiantado, ficou esperando por Shirley. A lua cheia clareava as ruínas, animais moviam-se na mata, seus gritos noturnos ecoavam na noite. Shirley apareceu cinco minutos para a meia noite com seus cabelos esvoaçantes. Trajava um vestido branco a moda antiga, nas faces pálidas um sorriso, nos olhos um brilho de quem finalmente realizaria o tão esperado sonho.
Deitaram-se sobre a pedra, Marcelo aninhou-a nos braços. Afagou seus cabelos, sentiu o doce perfume do corpo jovem, ávido procurou os lábios da amada. Amaram-se tendo a lua como única testemunha daquele encontro. Quando Marcelo abriu os olhos estava abraçando o ar, no chão um vestido branco envolvia um esqueleto que no pulso direito portava um bracelete de prata.
No jornal da cidade uma notícia chamava a atenção:- “Encontrado no dia de hoje (15/03/19..) sobre a grande pedra próxima a cascata da Porcina um esqueleto. Os pesquisadores afirmam pertencer à jovem Shirley de Albuquerque Lins falecida na epidemia que devastou a cidade no final do século XIX, um bracelete de prata com seu nome estava junto aos despojos.”
Marcelo abandonou a cidade, foi morar em Curitiba. Trabalhou e estudou, hoje possui diploma universitário. Confidenciou somente a seu amigo Zé Roque sua história, fazendo com que ele jurasse que jamais a contaria a alguém.
Gastão Ferreira/2011