Saudade do lobisomem

Sexta-feira 13, noite alta, Dona Flor e sua bisneta Mileide conversavam no quintal;

- Nossa, bisa Flor! Olha o tamanho da lua...

- É lua cheia minha neta...

- Caramba bisa! Sexta-feira 13, lua cheia... Só falta aparecer um lobisomem por aqui...

- Há muito tempo que eles nos abandonaram; na minha juventude, o que mais tinha nas noites iguapenses era o bicho lobo...

- É... Há cem anos Iguape era bem diferente de hoje...

- Nem tanto minha bisneta... Nem tanto! A sem-vergonhice era a mesma dos dias atuais... Sabia que eu conheci um lobisomem?

- Meu Bom Jesus! Conta bisa! Conta...

- Agora que passei dos cem anos e todas as minhas inimigas já morreram, eu posso falar daqueles bons tempos...

- Bom tempo bisa?

- Sim querida Mileide... Tempos de muitas assombrações, mula sem cabeça, boitatá, sacis e lobisomens... Eu era apenas uma mocinha ingênua e pensava que beijo engravidava, mas andava doida para experimentar um beijo roubado; coisa de menina sonhadora e tolinha...

- Conseguiu roubar o beijo, bisa?

- No final da rua morava um rapaz muito apessoado, Dito Micuim, as mulheres casadas falavam horrores do moço... Numa noite de lua cheia, papai estava cercando tainhas e mamãe na igreja; Dito Micuim passou frente a nossa casa e me mandou um beijo pelo ar... Era tão bagaceiro que a cada cinqüenta metros parava e mandava um beijo... Ele entrou na mata, a cidade inteira era cercada por matagal... Curiosa e louca para descobrir o porquê da má fama do jovem, eu entrei na capoeira...

- Meu Bom Jesus bisa! Como a senhora era corajosa...

- Era cio minha bisneta... Eu estava no cio... Adentrei o matagal e fui imediatamente atacada por um lobisomem...

- Que horror! E daí o que aconteceu?

- O bicho era bom demais, digo, terrível demais... Rasgou o meu vestido, lambeu todo o meu corpo, deu mordidinhas sacanas nem te conto aonde... Uivou para a lua cheia e desapareceu nas moitas...

- E a senhora, bisa, não desmaiou de medo?

- E tinha eu lá medo de alguma coisa! Eu queria era ser beijada, e, beijar foi à única coisa que o safado não me fez...

- Caramba! Que coisa mais triste! Quanta ousadia para nada...

- Você que pensa Mileide! Durante muitas e muitas luas cheias fui ao encontro do lobisomem... Acabei beijando a besta fera sem a sua permissão... O bicho ficou quase louco e começou a gritar:- “Beijou tem que casar! Tem que casar!”

- Estranho esse comportamento!

- Naquele tempo o beijo era proibido... Só podia beijar depois do noivado e eu nem sabia quem era o lobisomem...

- E como acabou essa história, bisa Flor?

- Uma semana depois do roubo do beijo, Dito Micuim me pediu em casamento...

- Então meu bisavô foi um lobisomem?

- Foi nada! Era esperteza dele para pegar mulher... Entendeu o porquê das mulheres da vila me detestar?

- Não... Não entendi!

- Depois que casamos, Dito Micuim nunca mais olhou para uma sirigaita e nenhuma delas me perdoou...

- A senhora foi feliz no casamento, bisa Flor?

- Foram os dez anos mais felizes da minha vida... Seu bisavô morreu jovem e eu nunca mais quis me casar... Ah! Que saudade do meu lobisomem!

Gastão Ferreira/2015

Gastão Ferreira
Enviado por Gastão Ferreira em 24/07/2021
Código do texto: T7306035
Classificação de conteúdo: seguro