Na garupa da bicicleta
Dito Sete namorava Rosinha há sete anos, eis o porquê do apelido. Começo dos anos cinquenta do século passado, todos os habitantes da cidade sabiam que a luz apagava às 22 horas, e que meia hora antes de desligarem os geradores, soava um apito de alerta. Quem estava fora de casa corria apressado, as festinhas acabavam, os bares fechavam as portas, os pais dispensavam os namorados das filhas. Bem-vindo à escuridão, onde tudo pode acontecer.
Do bairro Porto do Ribeira até o centro da cidade, só areia. Mal soou o apito, e Dito Sete se despediu de Rosinha. O caminho era escuro, deserto. Após o sitio de Nhô Euclides, um bambuzal, poucas casas com luz elétrica no início da Vila Garcez. Montado em sua bicicleta marca Caloi, com dínamo, espelho retrovisor, freio de mão, buzina, sonho de ostentação dos moços daquela época, Dito Sete se sentia feliz; jamais teria o apelido de Dito Oito, ficaria no Sete, e casaria com Rosinha antes do final do ano.
Naquela quase escuridão divisou um homem sentado à beira da estradinha, e que lhe acenava. Se aproximou e reconheceu Seu Januário. “Nossa! Há quanto tempo não via Seu Januário.”
- Que bom que uma alma viva apareceu! É você, meu amigo Dito Seis? Estou meio aperreado, perna bamba, na espera de um cristão de bom coração, que possa me dar uma carona até a cidade.
- Ninguém vai surgir, Seu Januário, o apito soou há uns quinze minutos. Senta no bagageiro da bicicleta, que eu levo o senhor.
- Obrigado, semenino! Depois que escureceu, você foi o único vivente à passar no caminho do porto.
- Alguma novidade, seu Januário?
- E velho tem novidade, meu filho? Agora é só descanso, aproveito a noitinha para desenferrujar os ossos, e depois é uma soneira só.
- Estamos quase chegando ao centro da cidade, vou deixar o senhor na sua casa, ainda temos dez minutos de luz elétrica.
- Não carece, semenino! Fico ali na próxima esquina, estou morando pertinho do Supimpa, e posso ir caminhando até lá. Que o Bonje te abençoe pela carona! E que você tenha uma vida longa, meu filho.
Dito Sete encontrou alguns amigos já perto de sua casa, e comentou com eles sobre o Seu Januário; - “Seu Januário está bem aíva, me chamou pelo apelido antigo, Dito Seis, coitado! A perna está um bagaço.”
- Impossível, Dito Sete! Seu Januário morreu no ano passado, naquele mês em que você foi pescar na Barra.
- Tá brincando! O velho falou que mora bem pertinho do Supimpa. Brincadeira boba, hem amigo!
- Dito Sete, o que tem na esquina do Supimpa?
- O cemitério da cidade...
- Pois é, é onde mora o Seu Januário desde que morreu.
Dito Sete desmaiou. Mais uma lenda urbana nasceu. Bem-vindo à escuridão, onde tudo pode acontecer.
Gastão Ferreira/2016