FINITO
 
A máquina de escrever existe obsoleta sobre a escrivaninha, com uma folha escrita pela metade. A xícara de café — não, não essa do lado direito, a outra, perto das bolas de papel amassado espalhadas pelo chão — adquire um gosto amargo e velho. O disco de vinil rege a orquestra da tempestade e do jazz suave durante toda a madrugada. As brasas da lareira se terminaram há alguns minutos, sem esperança de que consigam reviver em um fogo majestoso. O cálice estilhaçado no tapete branco cria uma pintura de desperdício. Os livros, uma vez na estante, estão agora esparramados pelo chão como cadáveres de borboletas. As gotas de vinho traçam caminho pelo chão de madeira, colorindo até o porcelanato da cozinha com intensidade. As gavetas de talheres escancaradas pendem de seus suportes, completamente desamparadas. A mesa ainda está posta para o jantar e a vela pinga a última cera sobre a toalha recém-lavada. E... aquilo? Ah, é ele. Dormindo desde que a música começou a soar pelo apartamento. Está deitado entre a cozinha e o banheiro, olhos contemplando sonhos profundos. Melhor falar baixo para não acordá-lo. Melhor não incomodá-lo. Portanto, seguimos. O quarto está impecável, tudo em ordem, até mesmo as portas dos armários estão fechadas. O corredor se estica como sempre até a porta de entrada fechada, nesta madrugada, em cima, no meio e embaixo. Algo nos falta... Voltemos à máquina de escrever. Um frasco de tinta preta vomita seu conteúdo pela borda da mesa, uma cascata de possíveis palavras. Deveríamos acordá-lo? Não, não, sabemos que não devemos atrapalhá-lo nestes momentos de inspiração. Persistimos na escrivaninha. Sim, a folha. Agarramos o pedaço de papel e, com dedos atentos, traçamos o contorno das letras. Nenhuma ideia brilhante, apenas as mesmas histórias que agradam seu público. Amassando-a, jogamos a bola de papel sobre os cacos de vidro. Mas o que... o que é isso? Como não percebemos isso antes? Corremos novamente ao banheiro. Olhemos de outro ângulo. Sim, é o que temíamos. Babando a tinta negra de seus escritos, ele está inerte. Cravada em seu peito, a faca prega uma quantidade considerável de folhas na sua pele, agora completamente manchadas de escarlate. Suspiramos. Que terrível destino... Podemos nos aproximar um pouquinho? É... está morto. Quem teria feito algo assim com o sujeito? Lágrimas rasgam nossas pálpebras e nossa visão se embaça. Entretanto, ainda conseguimos visualizar a primeira frase daquele bolo de páginas: “Todo romancista deve dar-se o tempo exato para a vida e para a morte.”
Marina Solé Pagot – 18 anos
Enviado por Ilda Maria Costa Brasil em 23/07/2021
Código do texto: T7305742
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