A moça do telhado
(Lenda urbana)
Iguape e seus casarões, ruas estreitas com suas calçadas de pedras lapidadas por mãos escravas, por onde sinhazinhas e mucamas passavam apressadas à caminho da missa diária. Muros antigos que escondiam segredos centenários. Um dos segredos mais bem guardados era a verdadeira história da “moça do telhado”.
As mães daquela época não davam moleza às filhas donzelas, e as meninas-moças eram vigiadas vinte e quatro horas. Também, pudera! Todas sabiam desde o berço que engravidar era a coisa mais fácil do mundo, mas também sabiam que quem engravidava, não casava mais.
As adolescentes de dantes eram por demais espertas, eram tímidas por natureza, mas rápidas nos olhares marotos, e todo o cuidado era pouco; um vento que entrasse por baixo do longo vestido podia engravidar, qual garota por mais burrinha que fosse, não sabia que bastava um beijo na boca, e nove meses depois a cegonha bateria asa na porta de sua casa, coisa fatal! A cidade era cheia de perigos ocultos, melhor rezar, e pedir para que a “moça de telhado” as protegesse.
Ninguém sabe com certeza quem foi a primeira donzela à avistar a moça do telhado; a história oral diz que foi Andrelina, a Bela. Tarde da noite, ali pelas 19 horas, a Bela voltava da casa de uma amiga. Vinha atenta, olhos postos na rua cheia de cocôs de cavalos e cães, e de repente sentiu um calafrio, olhou para cima do sobrado dos Toledos, e ficou abismada, uma moça vestida de branco andava por sobre o telhado. Só podia ser uma visagem, imagina uma donzela fazer um disparate desses, e o pior a de branco parecia gritar; fuuuuja...
Andrelina correu, correu, correu; chegou em casa com os bofes de fora, e toda trêmula contou o ocorrido. O pai, dois irmãos, o tio e o avô foram conferir a tal aparição, e voltaram com novidades. Maria Ruana, adolescente e escrava de sinhá Isabella dos Campos Paranhos de Almeida Sila, a Dona Bebé do Funil de baixo, fora abusada sexualmente na calçada do sobrado dos Toledos, Meu Bonje!
Do que Andrelina, a Bela, escapara! Dois marujos bêbados, cujo navio aportara há alguns dias no Porto Grande, se aproveitando da escuridão noturna, abusaram da garota escrava; passaram a mão aonde não deviam, apalparam o que não podiam apalpar, e horror dos horrores, beijaram a menina na boca, e várias e repetidas vezes... Coitadinha! Essa não casa mais.
Toda a cidade ficou sabendo que Andrelina foi salva pelo aviso de uma mulher que andava por sobre o telhado das casas, uma visagem do bem, uma protetora da virtude, quem sabe uma santa que queria permanecer anônima. Na missa de Domingo, o padre tapou a boca nas beatas; - “Onde se viu, dizer que um espírito perdido, uma visagem, é uma santa... Amarra, Jesus! Essa lambisgoia não passa de uma moça do telhado...”
O apelido pegou, “a moça do telhado” daí por diante foi vista centenas de vezes, e sempre na hora do perigo iminente. As mães reclamavam que as filhas sujavam a barra do vestido com os cocôs de cavalos e cães, pois já naquela época era costume do povo andar pelo meio da rua, e não nas calçadas, as garotas respondiam que sujavam as vestes porque prestavam atenção nos telhados, e se descuidavam do chão; o remédio foi encurtar os vestidos, e foi assim que acabou surgindo a minissaia alguns séculos depois.
Faz um bom tempo que ninguém mais fala da “moça do telhado”; com a modernidade e a mudança nos costumes, a moça iria se esgoelar de gritar e a meninada nem aí... A última vez em que foi vista, foi aquela em que salvou uma romeira da Festa de Agosto das garras de um barraqueiro tarado, mas essa é outra história.
Gastão Ferreira/2018