SERAFIM
Serafim, velho pescador do bairro do Abraão, toda manhã no cantar do galo saia com sua velha canoa sangrando as águas do continente em direção, as vezes para o Norte outras tantas para o Sul em busca de peixes para o sustento de sua numerosa família. Carregava em seu pescoço uma medalha de Nossa Senhora de Navegantes, presente de seu antigo confessor dos tempos em que frequentava a antiga capelinha de Itaguaçu. Em seu tempo de criança chegara a sonhar com uma vida dedicada a igreja, porém a desaprovação de seu velho pai o fizera seguir seus passos de pescador. Nunca entendera tal negativa, já que seus pais eram fervorosos crentes e defensores da igreja.
O tempo foi passando, Serafim encantou-se com uma linda morena das bandas de Capoeiras que conhecera numa festa da padroeira. A princípio os pais da moça não concordaram com o namoro, pois sendo ele, um humilde pescador não era páreo para ela, filha de um próspero comerciante daquela comunidade. Este entrevero durou por algum tempo, porém Serafim nunca desistiu de seus propósitos, afinal o cupido havia cravado a flecha em seu coração.
Sebastiana era uma encantadora jovem, de pele morena clara, cabelos longos, negros, olhos esverdeados e lábios carnudos. Elegante, alfabetizada por seus pais, devota de Nossa Senhora dos Navegantes. Ela era o suporte do seu pai em seus negócios ajudando-o no controle do livro caixa e responsável pelo pagamento dos fornecedores. Toda a comunidade conhecia Sebastiana, seu dom para o comércio, sua simpatia como também sua beleza física provocando ciúmes em algumas moças de sua idade e vislumbre por parte de alguns rapazotes, “possíveis candidatos ao namoro” e quem sabe até um casório. Mas sua atenção voltara-se somente para o Serafim, após conhecê-lo na festa de sua santa de devoção. As noites não foram mais as mesmas para ela como também para o Serafim. Nas noites de luar, ela, do alto onde sua casa estava situada, punha-se a debruçar na janela de seu quarto olhando no horizonte imaginando ser acariciada pelo seu amado Serafim. Por outro lado, Serafim saia a remar sua canoa na direção de sua casa a fim de que ela percebesse sua silhueta nas águas tranquilas da praia do Abraão.
Porém um dia, Serafim não aguentando tanto sofrimento, resolve ir conversar com os pais de Sebastiana a fim de assumirem o namoro perante sua família, mas quis o destino pregar uma peça para o humilde pescador. Quando se aproximava do comércio de seus possíveis sogros, ele percebe uma correria de pessoas para todos os lados. Sem nada entender, se achega indagando o que houve naquela casa, uma vizinha da família relata que ao amanhecer, Sebastiana acordara indisposta, febril falando palavras desconexas deixando seus pais apreensivos. Sua mãe fora com uma vizinha chamar dona Cotinha a fim de que ela benzesse sua filha, pois desconfiava que era feitiço das bruxas de Itaguaçu. Seu pai ficara no armazém cuidando de seus afazeres, acendera uma vela para o Senhor Bom Jesus de Iguape e Nossa Senhora de Navegantes para que eles intercedessem junto a jovem Sebastiana. Serafim sem nada poder fazer, se junta aos vizinhos numa novena improvisada entre cânticos e rezas num latim duvidoso. Final de tarde após a benzedura de dona Cotinha, fora servida uma canja à doente e a todos os presentes.
Foi concedido a Serafim o direito de visitá-la em seu quarto sob o olhar furtivo de sua mãe. Ao se aproximar da cama, ele percebe sua fisionomia sombria, seu olhar apático. “Não, aquela mulher naquela cama não é a minha Sebastiana”, dizia para si ao sair do recinto, caindo em desespero. Seu Nicolau, tio da jovem abraça-o confortando daquele sofrimento. Esta situação perdurou por sete dias, a casa de Sebastiana tornara-se um centro de “peregrinação”. Toda noite a vizinhança fazia uma novena na comunidade, dona Cotinha durante o dia aplicava infusão de ervas para que ela se reanimasse. Após uma semana sem melhoras, os pais resolveram chamar o padre para aplicar a extrema unção. Serafim percebendo de que a situação era irreversível, saiu em disparada pegando sua canoa rumo as pedras de Itaguaçu a fim de “acertar as contas” com aquelas que ele imaginava serem as responsáveis pelo mau de sua amada. Ao aproximar-se das pedras, percebe uma grande luz vinda do céu iluminando todo o espaço do local. Lembrou que era uma sexta-feira, 13 de agosto, dia de lua cheia. Bradou, bateu com o remo na água como se estivesse desafiando as bruxas. De repente as águas se tornam bravias, a canoa a dançar sobre as ondas e ele a escutar risadas, frases indecifráveis. O susto faz com que ele se afaste do local, porém ouve um gemido muito peculiar como se estivesse enviando uma mensagem de adeus.
Mais tranquilo resolve voltar para a casa de Sebastiana, lá chegando fica sabendo de que a poucos minutos sua amada fizera a passagem para outros planos. Num choro convulsivo, dá seu último abraço despedindo-se daquela que fora o único amor de sua vida. Lembrando-se dos gemidos ouvidos na praia, chegara à conclusão de que era ela despedindo-se dele.
O tempo passou, Serafim encontrou outro amor, formou uma grande família, continuou como pescador. Dizem que até os dias atuais, nas noites de lua cheia ele rema seu barco até as pedras de Itaguaçu a fim de ouvir o gemer de Sebastiana...
Valmir Vilmar de Sousa (Vevê) 200721