O casarão do fim da rua

No final da rua, a casa dorme; camadas de tintas lembram dias melhores. Ninhos de pardais, há muito abandonados, se desfazem lentamente. No quintal um varal de cordas corroídas; ervas daninhas mataram as flores, e sufocam o arvoredo. Apenas o silêncio envolve o casarão.

Na sala, velhos retratos amarelados me observavam; seus olhares apontam para a cozinha. Um fogão a lenha, feito de barro, desafia a modernidade. Esfumaçadas lamparinas adornam as paredes ancestrais; na prateleira vários potes, todos rotulados e fechados.

Casa antiga, provavelmente a mesma família a habitou por séculos; quem seriam? De onde vieram? Para onde foram? Ninguém sabe! O desconhecido encobre a sua longa história, hoje perdida na memória do tempo.

Ainda se pode ler o conteúdo dos potes; um pote de alegria? Pitadas para dias felizes, aniversários, casamentos, festas, conquistas. Um pote de nostalgia? Lembranças aprisionadas, saudades ali foram guardadas. Um pote de tristeza? Todas as casas têm tristezas; quantas mortes por ali passaram, separações dolorosas, viagens sem retorno, caminhos que as desavenças separaram.

Muitos potes! Potes de lágrimas, mágoas, rancores, ciúmes, desamores, mas também potes de risos, de olhares luminosos, afagos, beijos, abraços. Potes de incertezas, conquistas, tristeza, discórdias. Apenas um dos potes foi quebrado, o rótulo informa que nele esteve encerrada a fugaz felicidade.

Volto à sala; os retratos me espiam com seus olhos do passado. Noto que o coronel, tão sério em sua farda de gala, tenta esconder um certo desprezo ao encarar o bisneto que não conheceu. O bisneto do coronel é moreno! Um mistério que o tempo encobriu? O coronel foi Capitão do Mato, depois enricou, construiu o casarão; uma nave para o futuro, e a perpétua segurança dos seus.

Quem será a moça de olhar radioso? A neta do coronel? A filha? Não sei! O retrato informa que ela foi feliz. A outra moça mostra tristeza; posso adivinhar que teve uma vida sofrida, vida dura de quem foi incompreendida, e padeceu por amor. Seu olhar não mente! Eu conheço este olhar.

Casa antiga, tombada pelo tempo, apenas mais um navio singrando os mares da eternidade. Embarcação feita com muito zelo, leva consigo momentos vidas, pedaços de felicidade, restos de amores e ódios, lembranças de sonhos que ficaram, e nada mais.

Gastão Ferreira/2016

Gastão Ferreira
Enviado por Gastão Ferreira em 21/07/2021
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