As estranhas visitas
Todos lembram o que aconteceu com Armandinho Tapera; menino desbocado, cada três palavra, uma era de baixo calão. Um respondão de boca cheia, e não era por falta de uma boa surra, sua mãe Ditinha Preá não economizava na chinelada certeira. O que mudou o comportamento do moleque foi um fato que na verdade apavorou a cidade por um longo tempo.
Antes de narrar o acontecido, é bom lembrar que Dinho Tapera se desentendeu, na verdade ofendeu feio a Dona Zefa Guaxica, chamou a velhota de feiticeira, mocréia, bruxa; ela teve um infarto e partiu desta para uma melhor, mas ela não foi a única vítima do garoto escroto.
Estava o guri ali na cozinha fritando uma banana da terra para o café da tarde, quando alguém bateu na porta da frente da casa e chamou pelo seu nome. Ao abrir a porta o menino levou o maior bofetão bem nas fuças, e um belo pontapé que o derrubou; o fato estranho é que não havia ninguém na soleira da porta, o ataque partiu de um ser invisível.
Dinho contou na escola o acontecido, todos os colegas acharam graça e ninguém acreditou, Zé Curió foi o pior de todos, pois além de chamar Armandinho de mentiroso, desafiou o companheiro de classe à provar que estava dizendo a verdade, e fez questão de acompanhar Dinho Tapera até em casa.
Dinho estava no banheiro quando bateram na porta, e ele pediu para Zé Curió atender. Os gritos de Zé Curió foram horripilantes, coisa de cortar o coração e fazer um vivente borrar as calças. Dinho correu até a sala e Zé Curió estava ali, frente à porta aberta, em pé, com todo o cabelo arrepiado, e na face a marca vermelha de cinco dedos, e balbuciando; - “Não tinha ninguém... Não tinha ninguém. ”, e desde então o apelido de Zé Curió passou a ser Zeca Gado.
A notícia da visagem que surrava as pessoas se espalhou, e foi um Deus nos acuda; alguns irmãos em Jesus diziam que era obra do maligno, outros que era castigo por Dinho insultar as pessoas da pior idade para serem ofendidas. Um padre, cinco pastores, dois pais de santo e uma benzedeira foram espancados, e não solucionaram o mistério.
Quem acabou com a muvuca foi Dona Tetê de Xangô; a mulher era vidente, e enxergava coisas que ninguém mais via. A mãe de santo pediu uma vela branca, fez uma oração e mandou Dona Ditinha Preá abrir a porta, na sala estava a turma da vizinhança, todos curiosos, mas solidários com a família espancada. A vela permaneceu acesa; - “Não tem visagem dentro de casa, quem ataca permanece do lado de fora”, disse Dona Tetê, “Armandinho, por favor, agora é a sua vez de abrir a porta, coragem garoto! ”
Mal o menino entreabriu a porta e a pancadaria começou; dedo no olho, puxão de cabelo, tapa na cara, cascudo na cabeça, soco no estômago, rasteira na velharada, beijo na boca das menininhas, pisada no dedão do pé, sobrou para todos os curiosos presentes, a coisa estava tão feia que parecia pior do que baile no Supimpa, um aperto danado, muitos gritos, e então Dona Tetê de Xangô, acendeu novamente a vela branca, e gritou bem alto; - “Valei-me meu Bom Jesus! ”
A porta se fechou com um estrondo, um fedor de carne podre pairava no ar; um soluço, e um silêncio de apavorar... A porta se abre sozinha, lentamente, lentamente, um perfume de jasmim invade o recinto; paz profunda, um cheiro de saudade pedindo uma oração...
Armandinho Tapera nunca mais abriu uma porta sem perguntar “quem bate? ”, tomou tento e se formou em enfermagem, trabalha num grande hospital e jamais esqueceu as estranhas visitas de sua meninice.
Gastão Ferreira/2019