O tapa
Cidade antiga de calçadas seculares, e ruas estreitas; Benedita Esmeralda, mais conhecida como Dita Jóia, andava apressada tentando fugir da chuva que se aproximava rapidamente. Era um final de tarde; aquele local tinha má fama, não passava de uma pequena travessa onde coisas estranhas aconteciam...
Foi nela que a donzela Emengarda quase perdeu a donzelice, ela foi perseguida por uma besta fera; agarrada, beijada, e largada no meio da lama, pois a rua era um areão só, e havia chovido, e quando chovia algo bizarro acontecia por ali.
Também foi no mesmo local que o menino Fabinho deu de cara com um Saci; o tempo estava feio, e soprava um Vento Sul. O menino viu se formar um rodamoinho a sua frente, e jogou uma pedra no meio do gira-gira; o rodamoinho estancou de vez, e um Saci apareceu assim do nada, encheu o garoto de pancada e ainda o chamou de pilantra... Fabinho Pilantra nunca mais passou por aquela rua.
O jovem seminarista Pedrinho Cinco que estava de férias na casa de seus avôs também sofreu na pele os horrores do sobrenatural; foi cercado por uma nuvem escura, a sua batina de noviço foi arrancada, e o malandrinho que costumava não usar nada por baixo da veste santa estava pelado... Voltou nu para casa e desistiu das pecaminosas paqueras, jamais seria chamado de Pedrinho Seis, pois ficou apenas nas cinco puladas de cerca.
Dita Jóia pensava em tudo isso, e apressava o passo; ouviu alguém chamar o seu nome; - Dita Esmeralda, vem aqui guria, eu tenho um presente para você...
Dita deu uma paradinha, olhou para trás e não havia ninguém na rua, arrepiou-se por inteira; - “Quem me chama?”
- Não interessa! Por que não pegou a pulseira de ouro?
- Que pulseira de ouro?
- A que está na soleira da porta do número 55...
Ouro era uma palavra mágica, pelo ouro as pessoas sempre se vendiam, as pessoas se alugavam, se trocavam, matavam e se perdiam, e Dita Jóia foi espiar se era verdade o que a voz lhe dizia; ali estava uma reluzente pulseira, mal se abaixou para pegá-la e levou o maior tapa na cara, e foi puxada para o interior da casa...
Estava um tanto escuro dentro daquela sala, mesmo assim Dita Jóia percebeu que havia uma branca mão pairando no ar; ela quis gritar, mas a mão novamente a esbofeteou. Moeu a moça na pancada, e vozes de todos os timbres gritavam; - bate mais, Sinhá! Bate mais, Sinhá!
Dita Esmeralda corria pelo cômodo, não conseguia divisar a porta de saída, mas via perfeitamente muitos vultos, todos eles com roupas antigas... Eram os primeiros donos daquela habitação senhoril, casa de muitos escravos, de muito choro e lágrimas; - Então a ladra queria a minha pulseira de ouro! Que a levem para o tronco, e que a presenteiam com quinze chibatadas...
Dita Jóia foi encontrada desmaiada no meio da lama, a chuva havia passado, suas costas estavam lanhadas pelos açoites, eram quinze marcas de chicote... No pulso uma bijuteria de latão; uma velha pulseira, e nela um nome e uma data; Eleonora Mendes Campos/1845.
Gastão Ferreira/2020