A Mão Peluda
A Mão Peluda é uma lenda urbana de origem caiçara, vem dos tempos de dantes; é a história de um garoto selvagem, na verdade ela é uma visagem que agarra pela goela as crianças magrelas, e chatas que se negam a comer alimentos sólidos e que querem ficar só nos doces e rebuscados.
Diz a lenda que tudo começou quando um menino nu foi achado morando numa caverna; era uma cria de um espírito das matas com uma índia, o miúdo além de feinho e mudo, era inteiramente peludo, e a mãe o escondeu no escuro da selva para que seus familiares não soubessem de seus amores com os encantados da floresta.
O curumim estava com seis anos de idade, um verdadeiro bicho do mato, quando sua mãe foi picada por uma jaracuçu, e morreu... O guri começou a roubar comida nos casebres da vizinhança, e sempre furtava do prato das crianças pequenas, pois a molecada nessa idade ainda não sabia se defender.
Enquanto surrupiava o alimento dos filhos dos pobres, nada aconteceu com o peludinho, mas na noite em que tentou roubar a comida do menino Aristides Antunes do Prado Júnior, filho do coronel Aristides Antunes do Prado, senhor de engenhos e mandante da comarca, o caldo entornou...
O moleque Tides, também conhecido como o Tesouro do Papai, a Jóia da Mamãe, e o chato e arrogante da vila, lutou com a Mão Peluda quando esta tentou abocanhar a comida da sua colher; neste exato momento o coronel apareceu e decepou a mão do garoto selvagem.
O que sobrou do corpo do curumim depois que os urubus encontraram o cadáver foram os ossos, ele morreu devido à hemorragia causada pela perda da mão decepada, os índios desconfiaram que fosse o garoto da selva porque estava faltando a mão direita; eles abriram uma cova no meio do mato, e enterraram os ossos; no dia seguinte, sobre a pequena cruz que marcava a sepultura apareceu a mão, a mão peluda, a mão decepada pelo coronel Aristide Antunes do Prado.
O menino Zébinho Micuim foi a primeira vítima; magro, puro osso, só queria comer coisa doce; sua avó nhá Belinha cansou de contar a história do Mão Peluda, o guri caia na risada e ainda tirava uma de esperto com a vovó; não deu outra!
Arroz, feijão, carne de tatu, aipim, farinha de mandioca, e o guri se atracou com o pudim; era à hora da janta e nhá Bela estava colocando mais lenha no fogão de barro quando ouviu um grunhido, nem chegava a ser um grito, estava mais para um gemido, um soluço... Correu até a sala de jantar.
Zébinho estava roxo, uma mão peluda, fedida, estava grudada no seu pescoço, e uma voz gutural, rouca, estranha, vinda de lugar nenhum dizia; - “Não quer a comida, é minha!”
Nhá Belinha encostou uma vela na mão peluda, um cheiro de carne queimada, um grito de dor, e a mão soltou a goela do guri, e simplesmente desapareceu... Desde esse dia, a primeira coisa que Zébinho Micuim fazia na hora da janta era esvaziar o prato de alimentos sólidos.
Essa lenda urbana ainda sobrevive, nos cafundós, nas aldeias escondidas nas matas, nas povoações ribeirinhas, nos confins, e quando as crianças se negam a comer arroz, feijão, farinha de mandioca, as mães sempre alertam; - “Coma meu filho, senão a Mão Peluda vem e come, e ainda aperta a tua goela...”
Gastão Ferreira/2020