O Fugido
Contam as lendas urbanas que no início do século XX viveu na cidade de Iguape um rapaz que não gostava de tomar banho nem de estudar. Extremamente ríspido com as pessoas mais velhas, respondia com palavrões as reprimendas da professorinha que tentava alfabetizá-lo. Era órfão de pai e dependia da mãe para sobreviver. A genitora buscava de todas as maneiras possíveis torná-lo menos agressivo, mais civilizado, educado e prestativo; o jovem rebelde não ouvia os conselhos maternos.
Uma noite esqueceu-se de apagar a vela que iluminava o pequeno quarto onde dormia, ocorreu um incêndio e a mãe morreu queimada. O jovem sabia que a culpa era toda dele; sem dinheiro, sem amigos, sem profissão, apenas com a roupa do corpo, foi morar numa caverna na encosta do Morro do Espia. Pescava de linhada nos baixios do Mar Pequeno, colhia frutos silvestres e caçava com estilingue alguns pássaros.
O rapaz percorria as ruas de terra da cidade, trazia consigo um saco de linhagem para guardar o que de aproveitável encontrasse. Diziam que raptava crianças para vender aos ciganos por um bom dinheiro. Era o terror das mães, elas alertavam constantemente seus filhos contra o homem do saco, ou, o fugido.
O Fugido era um claro exemplo do que podia acontecer a qualquer moleque respondão, preguiçoso ou que se negasse a tomar um bom banho todo o santo dia. Ele vestia-se de farrapos, comia restos de alimentos jogados no lixo, morava num buraco imundo. Que as crianças prestassem atenção nos conselhos dos mais velhos e aprendessem o certo, pois as coisas erradas conduziam ao abandono e a perdição.
Foi graças ao Fugido que muitos garotos deixaram de caçar passarinhos no mato, saltar das margens do Valo Grande, sair de casa à noite, correr atrás de pipas perdidas, conversar com desconhecidos, falar palavrões, rir das desgraças alheias e retrucarem os de mais idade.
A lenda urbana do Fugido atravessou gerações, o interessante é que nenhum moleque viu pessoalmente o Fugido, alguns até zombavam da história, mas quando cresciam e tornavam-se pais faziam questão de contar o causo aos filhos, informando que escaparam por muito pouco de serem capturados pelo homem do saco.
Essa lenda é recorrente em todo o país, em alguns lugares o ladrão de crianças é chamado de Bicho-papão. Na Europa de Ogro, nos Estados Unidos de Pé-grande, na floresta amazônica de Currupira. Só para marcar a diferença, em Iguape foi apelidado de Fugido.
Com tanto moleque quebrando telefones públicos, banco de praça, tocando campainha e saindo correndo, gritando palavrões na rua, voando de bicicleta e esquete pelas calçadas, bem que o Fugido poderia reaparecer e acabar com a farra.
Gastão Ferreira/2013