A casa da rua XV

Eles chegam de todos os lugares, por um tempo se apossam das casas abandonadas, e após depenarem com o imóvel, mudam de endereço; eles são os nossos sem tetos, os pedintes-turistas que em bandos invadem há quase duas décadas Iguape, a Princesa do Litoral.

Cada um deles carrega a sua triste história; alguns são usuários de drogas, outros fugitivos da justiça, ladrões, assaltantes, assassinos, alcoólatras, gente que não conseguiu superar os dramas com que a vida os presenteou. Nem todos são maus, nem todos são bons, apenas pessoas desesperadas tentando sobreviver sem nada produzirem.

Junico encontrou Thelma Regina na estrada, o destino de ambos era a cidade de Iguape, no caminho acabaram se acertando e resolveram juntar as mochilas, dividir as mágoas, somar os risos e curtir a vida.

Chegaram na cidade a noitinha, visitaram o Centro Histórico, conheceram a Praça da Matriz, o Santuário do Bom Jesus, os jardins do lagamar; espiaram os antigos casarões, fizeram amizade com outros pedintes, não quiseram dormir olhando as estrelas, eram um casal e queriam privacidade.

Na rua XV de novembro, no centro da cidade, uma casa abandonada; forçaram a porta e entraram na habitação. Os cômodos vazios, todas as janelas lacradas com ripas de madeira, sem água, sem eletricidade, sem vida. Uma neblina, vinda da rua, invadiu a moradia, algo normal no inverno, só que era verão, e no calor a névoa inexiste.... Um frio intenso se fez presente, o casal tentou abandonar o prédio, mas não acharam a porta de saída. O barulho de uma cadeira caindo, chegou da cozinha.

Junico estava um tanto sonolento, consumira sozinho quase uma garrafa de cachaça, e Thelma foi espiar o que acontecia na cozinha. O grito de horror da mulher acabou com o porre de Junico, ele correu ao encontro de Thelma Regina e o medo tomou conta de sua mente; uma cadeira virada no chão, e do caibro do telhado pendia o corpo de um enforcado. O suicida parecia encarar o casal, e eles ouviram nitidamente uma voz que dizia; -“Na minha casa, não! Saiam, ou ficarão aqui para sempre; gostei de vocês dois! ”

No desespero conseguiram abandonar a casa, na saída alguém que passava na rua, comentou; -“Olha que casal corajoso! Estavam na casa do Dito Faca, o assassino que se enforcou e tenta matar a todos que invadem a sua antiga moradia...”

Junico e Thelma Regina voltaram para a estrada, nem pernoitaram na cidade, pegaram o rumo de Pariquera; cansados se encostaram numa frondosa figueira, enrolados num cobertor tentavam relaxar. Algumas gotas d’água chamaram a sua atenção, seria orvalho caindo dos galhos da árvore? Thelma entrou em estado de choque. Não era orvalho, era sangue que pingava do alto da figueira, e no galho mais alto o corpo de um enforcado balançava, e Dito Faca olhava fixamente para o casal...

Gastão Ferreira/2019

Gastão Ferreira
Enviado por Gastão Ferreira em 18/07/2021
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