A cabana
Já faz um bom tempo que descobrimos uma cabana abandonada na mata, ela está situada na descida do Morro do Espia em direção ao Rio Ribeira; um regato vindo da montanha forma um pequeno lago entre as pedras frente ao casebre, onde uma clareira deixa passar a luz do sol.
No último feriado prolongado resolvemos acampar, e desvendar o mistério que cerca a cabana; nos bons tempos uma família de ladrões de palmitos habitou o local... Desapareceram da noite para o dia, e nem rastro deixaram.
Meu irmão Ataíde e meu primo Honório foram catar lenha e gravetos para a fogueira noturna, e eu fiquei sozinho no acampamento preparando o jantar; um barulho vindo da floresta chamou a minha atenção, parecia um vento que curvava os pequenos arbustos no meio da mata, a aragem não chegava até onde eu estava, e tudo era muito estranho!
Nossa janta foi um simples lanche e uma garrafa de vinho, havíamos percorrido quilômetros durante a caminhada diária, e o cansaço era imenso; alimentamos a fogueira para espantar os pernilongos e as possíveis feras que rondam na escuridão.
As laterais de nossa barraca são de tela, assim podemos admirar a beleza noturna, os animais, as estrelas do céu, os pássaros noturnos. Mal adormeci e acordei de vez; havia uma luz na cabana, e a porta estava encostada...
Coloquei o dedo sobre os lábios e cutuquei meu irmão, fiz sinal para que espiasse em direção ao casebre... Um som vindo da mata fechada chegava até nós, parecia que uma criança chorava... Uma mulher, arrastando um moleque de uns cinco anos passou pela barraca em direção a casa; -“Silêncio guri! Você quer ser descoberto e virar comida de bicho? Calado.”
O homem, a mulher, o menino, o lampião a querosene, a espingarda... Só um tiro e a fera caiu estrebuchando frente a nossa barraca, seus olhos vermelhos nos fitaram, e um uivo de dor encheu o vazio e acordou a mata; dois grandes cães de negra pelagem surgiram do nada, a mulher tentou proteger a criança, sua cabeça voou estilhaçada, a garganta do homem foi cortada pela garra afiada da besta fera... O menino foi levado cativo.
O cachorro atingido pelo tiro, como num truque de mágica, se transformou em um rapaz; ele retirou a bala do peito e se escafedeu para a floresta, meu irmão falou; - “São lobisomens, e estão caçando... Já se alimentaram e não voltarão por hoje, vamos tentar dormir.”
Acordei com o cantar dos pássaros, temeroso saí da barraca, meu irmão me chamou para mostrar alguma coisa; a porta da cabana estava fechada, nenhum sinal da briga noturna, provavelmente eu tive um pesadelo, graças a Deus! Meu irmão falou; -“Mano, olhe só isso aqui!”
No chão, no fim da escadinha que levava para a cabana, uma velha espingarda enferrujada quase coberta de terra, e restos de um lampião... Corri até a frente da nossa barraca, no local onde a fera ficou caída, procurei entre as folhas mortas e lá estava a bala, a bala que o lobisomem havia retirado do peito... Foi a última vez em que acampei na vida!
Gastão Ferreira/2020