Plínio

O seu nome era Plínio, costumava aparecer sempre à tardinha na nossa rua; uma rua de calçada elevada, de terra batida, enfeitada por casas antigas. Exímio jogador, era ele quem desfalcava a nossa coleção de bolinhas de gude, ganhava sempre.

Nas tardes tranqüilas de nossa infância costumávamos apostar gibis nos muitos jogos praticados pela molecada; Plínio chegava de mãos vazias e voltava carregado de nossas amadas revistas em quadrinhos.

Menino de uns dez anos, moreno trigueiro, sempre alegre com seu sorriso conquistador; costumava contar suas histórias logo após o escurecer, e um pouco antes de nossas mães se esgoelarem de gritar nossos nomes chamando para o jantar.

Uma tarde Plínio não veio ao nosso encontro, ficamos esperando por ele; era uma sexta-feira e a história seria de lobisomem. No total éramos oito crianças da mesma rua, mais umas cinco das ruas próximas, e entre a gurizada os três Zé se destacavam; Zé Pinguim, Zé Gordo, Zé Pelado.

Os três Zé eram nossa fonte de informação; eles faziam entrega para a quitanda do Seu Onofre, e rodavam a cidade... Foi Zé Pelado quem nos informou que sem querer querendo descobriu o endereço do Plínio; -“Ontem eu vi o Plínio entrando em uma casa na Vila Sapo!”

Estávamos com saudade de Plínio e seus causos, e pedimos ao Zé Pelado que nos levasse até o endereço de nosso amigo, éramos três meninos; João Baleia, Toninho Rato e Zé Pelado... Paramos frente à casa e começamos a chamar por nosso amigo; -“Plínio, Plínio, Plínio...”, uma jovem senhora veio até o portão; -“Plínio não mora mais aqui, meninos...”

- Nosso colega Zé Pelado o viu entrar nesta casa na semana passada...

- “Impossível guri!”, falou a senhora e começou a chorar...

- Calma moça! Não viemos incomodar, é que ele é nosso amigo e já faz três semanas que não aparece na nossa rua...

- Crianças, não brinquem com coisa séria! Plínio faleceu há cinco anos, e o seu quarto permanece fechado desde o dia de sua morte, ainda convivo com a dor da perda de meu filho, entrem, eu vou mostrar o quartinho dele...

Estávamos os três se pelando de medo, entramos no quarto e nossos cabelos se arrepiaram; espalhados sobre a cama todos os nossos gibis, numa caixinha de madeiras as nossas jóias mais preciosas, nossas bolinhas de gude... Numa mesinha uma foto, Plínio, a mãe e o pai...

Na foto Plínio com seu sorriso sapeca, o menino que não víamos há três semanas, nosso contador de histórias, o menino que partiu deste mundo faz cinco anos, o guri que vinha do céu para alegrar nossos fins de tarde...

Mesmo hoje, após setenta anos, conversando com o doutor José Carlos Andrade, meu amigo Zé Pelado dos tempos infantis, ainda não conseguimos esquecer a estranha história de Plínio, um menino que chegou do nada, levou nossos gibis, nossas bolinhas de gude, conquistou a nossa amizade e voltou para o mundo onde vivem os sonhos...

Tenho certeza de que ainda vou encontrar o Plínio no outro lado da vida, ele eternamente menino com seu sorriso luminoso e olhar feliz.

Gastão Ferreira/2020

Gastão Ferreira
Enviado por Gastão Ferreira em 16/07/2021
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