Um crédito à crença
Julieta foi mulher de garra. Criou cinco filhos no braço. Quando o último estava com três meses, ela descobriu que o marido tinha uma amante na rua paralela a que residiam naquele bairro fedorento e populoso. Sem pestanejar colocou o marido e as suas poucas roupas no cordão da calçada e sentenciou: “não apareça nunca mais na minha vida!”. Ainda em licença maternidade e ciente de que não conseguiria dar conta da criação dos filhos com a mísera pensão que receberia dele, decidiu retornar ao interior para ficar próxima dos pais.
Seu pai era capataz em uma enorme fazenda no interior de Goiás e a mãe governanta da casa principal. Lá ela teria leite, pão, manteiga e ovos em abundância para auxiliar na alimentação dos filhos e, com a ajuda da mãe, poderia trabalhar com diarista na própria fazenda ou em fazendas vizinhas.
Arrumou o pouco que tinha e, junto dos filhos, mudou o ar, o lugar e o amar, pois o amor que sentira pelo marido voou pelos ares quando soube da traição. Com o coração despedaçado jurou nunca mais chegar perto de um homem.
Já na fazenda, na tentativa de adaptar os filhos em local tão diverso ao que haviam sido criados, em exaustão certa tarde caiu desmaiada na beira do açude. Seu filho Pedro gritou pela vó e em poucos minutos Julieta já estava deitada na cabine de um caminhão da fazenda rumo ao hospital da cidade. Lá foi diagnosticada com anemia e depressão. O médico que a atendeu sugeriu que ela ficasse por uns dias em repouso no hospital, para que fosse medicada adequadamente, especialmente para a depressão, uma vez que percebeu várias manchas roxas em seu corpo, manchas essas suspeitas em razão do diagnóstico.
Julieta ficou instalada em um quarto com outra paciente, com similaridade de sintomas. Passavam horas conversando e lamentando a infelicidade das suas vidas. Nem a janela do quarto deixavam as enfermeiras abrirem, alegando que o sol era alegre demais para conviver com o seu estado.
Preocupada com os filhos Julieta chorava todos os dias e prometia para sí mesma que sairia daquele abismo no qual se colocara. Tinha consciência de que não era a primeira mulher a ser traída e que deveria agradecer à Deus os pais que a acolheram com tanto carinho, bem como a saúde dos cinco filhos.
Precisava virar o jogo e refazer a sua vida pela vida dos seus filhos. Isso era certo!
Cansada, apanhou uma revista que estava debruçada no criado mudo. Abriu-a na página do horóscopo de forma aleatória. Levou tempo até lembrar o seu signo. Buscou as previsões para Virgem. Nelas estava escrito que o signo de Aquário estava passando pelo sol naquele mês e que traria um equilíbrio fora do comum para qualquer mudança desejada. No momento lembrou-se de seu tio João, aquariano, íntegro, pedra sobre qualquer problema. Literalmente um exemplo de superação que passou pela sua vida. A sua deficiência física - era paraplégico, nunca o tomou por completo. Sem qualquer ímpeto de buscar a data da revista, suspirou como se uma onda de positivismo entrasse em suas entranhas. Levantou-se da cama, tomou um banho, chamou a enfermeira e pediu um baton.
Levemente maquiada recebeu a mãe naquela tarde, feliz por vê-la tão bem.
Em dois dias recebeu alta.Despediu-se da companheira de quarto agradecendo a companhia e sentenciando que a janela deveria ser aberta, sob pena da escuridão espantar as boas energias que por alí houvessem. Saiu do hospital serena, com a revista e o baton em uma pequena sacola plástica.
Um cheiro de esperança pairou no ar.
Escrito para a Oficina "Provocações" - módulo 05 - Pragmatha Editora