A CONEXÃO

Como costumo fazer em meu tão aguardado feriado de julho, embarco em um avião de Imperatriz para Vitória fazendo conexões ligeiras no Rio de Janeiro, Brasília, São Paulo ou Minas Gerais (sempre tenho uma sensação estranha ao usar o termo "embarcar" para subir em algo que não é um barco). Desta vez foi assim:

Guarulhos-Vitória, 18:15, 06/07/2021. Embarque: faz frio, céu nublado, clima seco.

Poltrona 8A: Saulo, 45 anos, professor de literatura, visitar a mãe.

Poltrona 8B: Camila, 28 anos, operadora de sistemas, visitar o namorido.

Poltrona 8C: Antônio, 86 anos, engenheiro aposentado, visitar a cidade.

As conversas a três costumam não render, muito menos se os três forem desconhecidos, mas havia uma motivação em cada um de nós em estabelecer uma conexão maior, parecíamos, aos olhos um do outro, pessoas cujo conhecimento mais próximo poderia trazer mais que um papo agradável, era como se necessitássemos não ser mais desconhecidos um para o outro, como se o destino tivesse nos dado a chance de compartilharmos nossa existência (mas o voo só duraria uma hora).

Medo de viajar de avião, a introdução mais clichê e verdadeira de uma conversa agradável, perder um filho gênio de 40 anos, a ignição ideal para desenvolver reflexões sobre a existência, ensinar literatura a nova geração digital, o mais improvável dos desfechos. Ainda assim a resenha fluiu e foi fruída.

Máquina de escrever, namoro virtual, poesia clássica, latim, praias bonitas, países estrangeiros, autores, religião, família, emprego, todos os incongruentes assuntos se harmonizavam na conversa, tudo reverberava em alguma reminiscência, tudo reluzia na curiosidade de nossas retinas, qualquer resquício de imagem retinia, retratava, respondia....até o anúncio da cabine de comando:

- Atenção, passageiros, esta aeronave irá pousar no aeroporto de Vitória em 15 minutos, afivelem o cinto e retornem o encosto das poltronas à posição vertical, a temperatura externa está em 23° e o céu está limpo, desejamos a todos um ótimo pouso e agradecemos por viajar em nossa companhia.

A um só tempo despertamos para o fato de que a conversa iria terminar e nunca mais nos veríamos. Tudo aquilo (fosse o que fosse) construído em uma hora de convívio, entraria para o reino das memórias e poderia se perder ao longo do caminho.

Qual o teu nome? Tem rede social? Vai ficar em qual cidade? - Por muito pouco, pouquíssimo mesmo, números de celular não foram trocados. - Quanto prazer em conhecê-los, quanta honra em acompanhá-los, quanto aprendi em tão pouco tempo... tão pouco realmente.

No desembarque silencioso, conhecidos recepcionando e estabelecendo conexões mais familiares, o adeus nunca dito e inevitável. Eu tentei uma última cartada para prolongar a conexão: Escolham aqui cada um um livro para vocês lerem alguma coisa que escrevi, não sei se gostarão...

Por surpresa de não terem nada a oferecer receberam meio constrangidos, agradeceram e se despediram...eu poderia ter escrito meu e-mail no livro, mas foi tudo muito rápido, a conexão foi cortada.

Os desembarques no geral são irrelevantes, todavia alguns poucos como este podem mesmo ser comparados à "curva extrema do caminho extremo" descrita por Bilac, ou representar os "cem anos de solidão" humanas do qual falou Garcia Marques, ou ainda desvelar os sentidos de um poema do Pessoa:

Saudade, só os portugueses

Sentem bem,

Pois inventara a palavra

Para dizer que a têm.

Adeus, meus fugazes amigos, meus amigos passageiros (perdão pelo trocadilho de gosto duvidoso). A ironia do destino que permitiu nos conhecermos, de súbito nos criou laços cujas fibras terão sua elasticidade testada pelo espaço que nos separa e pelo tempo que a tudo consome. Mas eis aqui as palavras com as quais pretendo eternizar este maravilhoso acaso:

"Nossa breve conexão foi um sucesso".

Saulo Palemor
Enviado por Saulo Palemor em 08/07/2021
Reeditado em 29/04/2024
Código do texto: T7295420
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