O Casamento
Razão tinha o Luís. Nada, absolutamente nada fora de nós, tinha importância. O dia do casamento seria memorável não pela festa, pelos parentes que viriam, pela cerimónia ou pelo vestido. Quando chegou a hora, em vez do sol que esperavam, chovia. Toda a orla do vestido de tule e renda se sujara na lama das obras de acesso à igreja, o padre atrasara-se, a porta da frente estava trancada e Luís, trajado de escuro, perdera o cravo da lapela, não sabia das alianças, mas sorria. Olhando-o ela acabou tranquila. Entraram pela sacristia, e cada um, à margem do respeito, se compunha. Havia lenços a enxugar o rosto, pintura a retocar, imprecações rosnadas. A noiva, cansada da espera, sentara-se e quase desaparecia entre os tecidos da saia e o véu que começava a incomodá-la. Pousou o ramo das flores que quis complicado, libertou-se das luvas e ria um rir tenso. Ele, veio para mais perto, olhou-a, beijou-lhe as mãos suadas e sorriu como se aquilo tudo fosse nada ao pé do amor que lhe tinha. Veio o padre afobado e com desculpas. Resvalara no asfalto molhado, perdera o controlo da viatura, e viera os últimos quarteirões a correr para diminuir o atraso. Todos os sinais que pudessem ser de mau agouro, não eram. Quis Deus provar a certeza dos noivos, disse e a cerimónia, começou. Ouviu-se a marcha nupcial no órgão, realinhara-se o povo, a noiva tirara o véu, largara as flores e, de comovida, chorava. Achou Luís as alianças de ouro, não escutou nada do que disse o oficiante e, recuperando a distracção momentânea, ouviu-se a dizer: - claro que quero, quero sim, sim , sim, sim. Cá fora chovia.