A MOÇA ATRÁS DA MESA
Bom dia moça. - disse galante àquela senhorita sentada atrás da mesa.
Bom dia, deseja alguma coisa senhor?
Aquele "senhor", dito com tanta gentileza, deixou-o desapontado. Há muito tempo que admirava, em silêncio, aquela moça atrás da mesa.
Não era velho. Estava por volta dos quarenta e poucos, tinha os cabelos grisalhos que lhe davam um charme especial. Era bonito e elegante.
A senhorita, atrás da mesa, uma princesa. Olhos verdes, lindos cabelos caídos pelos ombros, seios pequenos e durinhos (notava-se através da blusa branca e fina que trajava), o sorriso irradiava luz que iluminava seu perfeito rosto, uma bela mulher.
Ele, emocionado, respondeu: - Quero falar com senhor Martins, é sobre carros. Estou interessado no modelo novo que está em exposição.
- O senhor Martins está fora a negócios, mas pode falar com um dos vendedores - disse ela.
- Obrigado, mas quero falar diretamente com o Sr. Martins.
Ele não queria comprar nada, era apenas um pretexto para falar com ela, ouvir o som de sua voz. Passava todos os dias em frente à loja e lá estava ela sentada à mesa atendendo as pessoas gentilmente. Cumprimentava e ela respondia com um menear de cabeça e acenava com a mão, sorrindo, mostrando uma fileira de dentes alvos e sadios. Nunca tivera coragem de dirigir-lhe a palavra. Naquele dia resolveu enfrentar sua timidez e, embora tremendo, lá estava ele falando com ela.
Ela se desculpou pela ausência do patrão e pediu-lhe que voltasse mais tarde.
- Será que está interessada? pensava enquanto caminhava na direção do carro que ficara estacionado do outro lado da rua. Abriu a porta e ficou parado olhando a moça que se desdobrava em gentilezas, atendendo a um casal que entrara quando da sua saída. Exclamou para si mesmo: - Ela é linda!
Na outra semana voltou armado de coragem, entrou e foi direto à mesa.
- Senhorita, aceita jantar comigo hoje à noite?
Ela levantou-se, saiu detrás da mesa e caminhou na direção dele. Mancava de uma das pernas. Ficou surpreso e meio desapontado.
Pensava: - É uma boneca "quebrada".
Ela olhou-o nos olhos e perguntou: - Ainda quer jantar comigo?
Foi embora triste. Sentiu que tinha magoado a moça com sua expressão de espanto. Deixou de passar diante da loja.
Os dias transcorreram. Sentia algo que o incomodava muito, então descobriu que estava com saudade dela, dos cumprimentos, do sorriso bonito, do aceno de mão, do menear de cabeça.
Ela, por seu lado, também sentia aquele desconforto, aquela vontade de vê-lo, queria sentir sua mão na dele, mas afastou o pensamento quando lembrou-se do seu defeito físico, resultado de poliomielite na infância. Pensou: - Quem namoraria uma garota que usa aparelho em uma das pernas? Tentou esquecê-lo.
Uma tarde ele voltou, foi direto para a mesa e disse: - Quer jantar comigo hoje à noite?
- Mas...e.... (gaguejou).
- Sim ou não?
- ...e a perna?
- Que importância tem isso diante da beleza e da perfeição do espírito?
- Amo você pela beleza interior que a faz mais linda do que é. Por essa luz que brilha em seus olhos, pela suavidade de sua voz que me transmite paz e equilíbrio.
- Dê-me sua mão senhorita.
Ela sorriu, estendeu a mão e a posou na dele.
(Maria Hilda de J. Alão)