A Comitiva Especial e as Lições

Era uma vez no Brasil (dos brasis) uma comitiva especial que saía pelo país afora com intuito de conhecer o seu povo, costumes e os biomas da grande terra brasilis.

Tudo começou pelo Norte – região amazônica. A passagem foi bem rápida porque havia um grupo de índios ianomâmis que andava pra lá e pra cá o tempo todo. Num determinado momento, um deles olhou firme para aquela comitiva e disse algo por repetidas vezes.

A comitiva não entendeu. Mas alguém se aproximou do líder indígena e perguntou:

– Que diabo esse bicho tem na língua que não fala direito?

Foi quando o líder retrucou:

– Senhor, ele não é bicho. É um ser humano, um indígena, assim como eu. Nós fazemos parte dos primeiros habitantes desta terra. E traduzindo o que ele está dizendo, é isto: “Yanomami dialoga com Yanomami”. Porque a palavra ‘yanomami’, em português, significa seres humanos. Ou seja: seres humanos dialogam com seres humanos.

E a comitiva especial foi embora.

Deu-se partida para o Centro-Oeste. Lá, estavam todos a navegar pelas águas do belo Pantanal. Diante daquela beleza rara, o mesmo membro da comitiva se sentiu incomodado. E disse que toda vez que olhava naquele espelho d’água, era como se visse, diante de si, um jacaré. E um pantaneiro tentou lhe acalmar, dizendo:

“Senhor, nem Charles Darwin, por mais que ele estudasse mil anos, iria ver, um dia, um ser humano na pele de um jacaré”...

E a comitiva especial foi embora.

Mais tarde, já se encontrava no Nordeste. Ao descer, numa região da Caatinga – bioma de espécies raras –, o tal homem esquisito passou a reclamar depois de se ferir com o cacto coroa-de-frade, pois o confundiu com um abacaxi. E disse: “Isso aqui é um lugar difícil de se viver. Tem pouca água e muito espinho”. Foi quando um sertanejo falou: “Senhor, isso é o outro lado do Brasil. O senhor sabe o que o Euclides da Cunha falou sobre o nosso povo?”.

E veio a pergunta:

– Quem é esse tal de Euclides?

– Euclides da Cunha, senhor, é o autor de “Os Sertões” – uma das maiores obras da Literatura Brasileira. Ele nasceu no Rio de Janeiro, viveu na Bahia, era engenheiro, professor, jornalista etc.

– Tá bom. Pula essa parte! O que foi mesmo que esse cara disse?

– O Euclides da Cunha disse e registrou: “O sertanejo é, antes de tudo, um forte."

– Ó rapaz! você está querendo dizer que sou fraco, é?

–Não, senhor! Só estou lhe respondendo...

– Ainda bem! Porque você parece ser um sertanejo muito bom.

– Ser ou não ser, não preciso ser tão... Já me basta o Sertão.

Depois de ouvir isso, a comitiva especial saiu dali e foi para a costa nordestina. Começou por Porto Seguro, na Bahia. Lá, descansou à beira-mar e após degustar pratos caríssimos, a equipe foi sobrevoar a Mata Atlântica. Já em terra firme, foi cercada por alguns indígenas, que dançavam e cantavam o tempo todo. E o tal homem esquisito, já irritado, disse:

– Esses caras aqui de novo? Não é possível...

E um líder local lhe respondeu:

– Esses “caras” são cidadãos indígenas, senhor. São os Tupinambás, Pataxós e outros que resistem desde 1.500 quando esta terra foi explorada pelos portugueses.

– Ah, é? Que bom! Eu tenho um espelho aqui no bolso. Eles vão gostar...

E lhes mostrou um espelhinho oval, tipo aqueles que são vendidos em feira livre. Não demorou um minuto, já se via em média de 200 índios na direção do tal homem e gritando numa só voz: “picyca catú... picyca catú”.

– O que eles estão dizendo, gente?

– Senhor, muitos brancos não sabem a língua deles, mas hoje eles já entendem todos os gestos e sabem o que querem os homens brancos. E “picyca catú”, em tupi-guarani, quer dizer: “segurar bem para que não fuja”. É isso que eles estão dizendo.

E a comitiva especial se retirou em disparada...

Diante disso, tomou-se o caminho da região Sudeste.

No meio do percurso, o tal homem esquisito perguntou se por lá corria o risco de ainda encontrar novos índios. Lhe responderam que sim. Inclusive no entorno das grandes cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, devido a Mata Atlântica existente. Daí ele acrescentou:

– Minha equipe está cansada. E eu conheço bem o Sudeste. Conheço as coisas boas: as belezas naturais da região costeira, a riqueza da terra e do povo. Mas também conheço as coisas negativas. E não quero mais me chatear hoje.

E a comitiva especial mudou o seu rumo.

Minutos depois, todos desceram no Sul. Começaram primeiro pelo Pampa Gaúcho. A comitiva foi recebida com muita alegria e belas demonstrações da tradição gaúcha. Depois, o responsável pelo cerimonial começou a explicar a origem do nome pampa. E o homem esquisito o interrompeu, dizendo:

– Veja: se tiver índio nesta história, minha equipe volta agora mesmo.

E o representante gaúcho agiu com muita diplomacia.

– Tudo bem, senhor. Vamos pular essa parte. Mas é impossível sair daqui sem provar um pouquinho do nosso chimarrão. Ali está a erva-mate.

Nesse momento, alguém da comitiva especial se aproximou do gaúcho e disse: “Ele não gosta da palavra erva. Dá para trocar?” E o gaúcho, educadamente, disse: “Dá. Eu troco tudo – sem problemas”. E virando-se para todos, disse: “Hoje brindaremos o nosso encontro com um bom chimarrão da verdadeira “avre-etam”.

E, sorrindo, todos aplaudiram e beberam com satisfação.

Mais tarde, o homem esquisito perguntou para a sua comitiva o que tinha naquele chimarrão, pois o achou muito amargo. E teve a informação de que fora cuidadosamente preparado com a verdadeira erva-mate. E ele reagiu.

– Não acredito. O cara disse que era ‘avre-etam’. Então ele mentiu?

– Não. Ele não mentiu. É a mesma coisa. Ele só inverteu as letras do nome ‘erva-mate’. Isso porque o senhor não gosta da palavra erva. Foi tudo para não lhe causar desconforto.

E, mais uma vez, a comitiva especial foi embora.