OS QUE SE AFASTAM
Fazia um ano que Manolo quase se apagara e estivera a um escasso palmo de distância daquela figura negra e letal cujo nome próprio começa por “M”.Antes assim.Aprendera a valorizar mais a vida e as coisas,sobretudo as pequenas grandes coisas.
Num momento imaginado ele e Antonino eram duas crianças que com baldes e pás de plástico construíam um castelo na praia á beira mar.
Um segundo depois reencontravam-se no fulgor da juventude apaixonados por causas, Literatura e Poesia.Trajavam jeans e túnicas e participavam em marchas de entusiasmo e contestação, dois meros cidadãos do mundo a viver o seu prime.
A confiança é uma teia ténue e fina que demora anos a erguer entre duas pessoas.
- E meros segundos a ser destruída.
- Concordo.
E a vida é mesmo assim.Enigmática.Aparentemente ilógica e sem sentido.
Camus já tinha escrito “Le malentendu”, amigo e desentendido de Sartre – com as devidas distâncias – e Prémio Nobel nos anos cinquenta.
Antonino era uma estrela, tinha uma legião de fãs e limitou-se a fazer o que tinha que fazer.Manolo compreendeu depressa mas teatral fez uma saída abrupta á Anton Tchekhov pela direita alta.Uma retirada estratégica.Um esgar, um sinal, um protesto.
- Não gosto de representar com um exército de adozindas a assistir.Lamento.Há uma série de pessoas que confesso não aprecio a ver os touros de palanque.
Mas ambos já eram adultos e maduros.Com rugas e cicatrizes.Um Pai com filhos e netos maravilhosos e o outro um taful cavalheiro que fazia levantar os olhos quando entrava num restaurante.
-Descontrai-te.Não estás de toga na sala de audiências –dizia amiúde um amigo a Manolo.
-Meus Senhores, já tem idade para resolver as questões pela via mais diplomática – sugerira uma amiga de ambos, uma doce e cativante senhora.
A verdade é que não havia mágoa suficientemente grande que obstasse ao retomar da comunicação e de uma estranha e invulgar amizade forjada em ondas e oceanos virtuais, em mares e em espaços siderais.Virtual mas fortalecida com pequenos gestos e palavras.
A vida passa, o tempo passa num ápice como um cavalo louco num galope à desfilada.
- Sim a palavra Saudade aplica-se às relações aparentemente mais insignificantes.
- Eu posso ser rei mas tu também aprendeste a ser mago com o discurso.
Ah sim, o palavreado.Escreveram-se, dissecaram o suposto e absurdo conflito,conformaram-se com o afastamento e a separação.Afinal que importância pode ter uma divergência pessoal face á morte colectiva, epidemias e pandemias pelo meio, depressões e acidentes, fome e guerra, a permanente, inconsequente miséria em que humanidade irremediavelmente se atola?
Para ambos, no entanto,aquele fumo de paz e reconciliação valeria tanto como para os antigos chefes índios,a consagração e o símbolo da honra e cortesia devidas.
Estivessem onde fosse, os dois sabiam que ao invocar-se ,sentiriam realmente como uma tempestade cortada por um passo de magia que faz um feixe de raios de sol a devolver ao espaço a temperança e a harmonia, a cumplicidade e o sentimento dos que aprenderam, tarde, na adversidade e nos momentos críticos a demonstrar a sua admiração e estima, isentos do orgulho,só e apenas humildade.
Numa nuvem criada pela fantasia mais delirante, quando e se se encontrassem sorririam, ririam de uma piada qualquer e celebrariam a sua amizade adormecida mas nunca extinta.
- Olá.
- Olá!