Olhar Outra Vez
Fizera tudo para voltar ao lugar da sua infância e voltou. Havia uma casa enorme de amplos quartos com janelas de guilhotina, havia um quintal a perder de vista e um jardim onde se brincava entre canteiros. Quis reviver tudo sem companhia. Para se regressar com intimidade total, até o amor deve ficar à porta, nos limites da decência, coisa que, na paixão, nenhuma importância teria. Desceu do carro e teve dúvidas no endereço. A casa grande era, afinal, banal e o quintal acabava ali ao lado onde ganharam relevo as silvas. Nascem sempre silvas no abandono e, até em nós medram se ninguém nos vê. Aquele dia foi triste. Reformular ideias, reajustar o tamanho e a importância das coisas que nos são ou foram referência, é um exercício doloroso. Fechou a cancela, percorreu por dentro os espaços com eco, trancou a porta da frente e saiu para uma ruela pacata onde quase ninguém morava. Quando regressou à sua vida trazia sombras no olhar, estava muito mais realista e o que foi um paraíso só por ser passado perdeu cor e ficou igual a tudo o que nos deixa indiferentes. Decidiu, consequentemente, não comprar a casa que fora de seus pais. Perdia assim um reduto seguro onde tantas vezes achou a força para continuar. Só depois disso, sem contar senão consigo, retornou aos dias de luta, aos que na família exigiam mais cuidado. De repente, todos os seus ídolos passaram a ter pés de barro ou ficaram tão humanos que não valiam como modelo. Salvou-se do segundo olhar redutor a obra dos que admirava. Não, não queria conhecê-los.