Para Sempre
Teve sempre medo do irreversível. Há coisas que poderia aceitar como para toda a vida e essas foram as únicas que deixou gravar no antebraço no tempo da guerra. Picotaram-lhe, portanto, em letra enviesada quase a desaparecer na extremidade e borrada no início, Amor de Mãe. Completou a tatuagem um coração atravessado por uma seta, feito ao jeito de quem achava que sabia desenhar. Deixou a Maria de lado, a frase feita que gostava de repetir. Vai que ela não me espera, que aprendo mais e a frase fica sem razão. Na verdade a Maria cansou-se de esperar e, quando ele voltou, estava casada com o filho do ricaço da terra que fugiu às sortes e vivia num exílio confortável em Paris. Nem sequer se espantou, nem sequer se doeu. Analisando-se achou que fora melhor assim e casou com uma Dora que chegara do Brasil e se fixara ali na Vila. A mulher implicara sempre com a tatuagem, razão das camisas de manga comprida que usava com uma dobra nos punhos para disfarçar. Se fosse hoje talvez oferecesse à agulha e ao nanquim uma das nádegas em zona que nem na praia se visse. Seja como for a gravação indelével na pele garantia-lhe que nada é para sempre, nada é eterno nesta vida. A Mãe finou-se quando já toda agente e até ele achavam que era tempo de acabar tão dolorosa estava, tão doente. Teve mais mágoa ao perder o pai na força da vida. Depois, não cresceu mais mas amadureceu, ganhou calos e desconfiança. Hoje se tivesse, por absurdo, de escrever em si algo que não pudesse apagar, seria a frase que afinal nunca mudou: a vida é bela.