Lina, a Senhora de Companhia
Crescia a casa. Viu-a primeiro acrescentada do quarto dos filhos, depois a sala onde se perdia entre livros que não lia e o pó dos móveis. Nos primeiros dias abria e fechava as janelas, olhava o pátio, usava uma só boca do fogão para o chá, recolhia-se à espera que chegasse o almoço que sobrava para o jantar. Depois, quando andar começou a ser mais penoso, viajava entre os espaços e a casa passou a revelar segredos que ela achava não ter. Uma vez por semana era tudo limpo. A mulher chegava e em menos de nada cumpria a tarefa, fazia as torradas e o chá e ficava a tagarelar sobre vidas de quem ela não sabia. Quando a senhora apareceu da parte do filho, paga para a acompanhar, ajudar à higiene e a levar ao café se lhe apetecesse, a vida mudou. A casa continuava enorme mas havia encolhido aquele quarto onde Lina dormia e no qual nunca mais entrou, a cozinha voltou a uma amenidade quase como a que teve nos dias bons e o chá era agora de tudo. Alecrim, tília, flor de laranjeira, hortelã. Se ela se sentisse com coragem de enfrentar a insónia, chá preto, forte, sem açúcar. Contava-lhe os sonhos e Lina interpretava-os, se não sonhasse, contava na mesma só para saber o que lhe diria. Na hora do banho ficava com a última peça para não mostrar tudo mas, depois de ganhar confiança, já se despia sem pudor. Lina elogiava o que podia: que bonitas pernas a senhora tem, que mãos elegantes. Penteava-a, dava-lhe massagens, vestia-a sempre de modo diferente. E Helena, a velha Helena, a viúva que entristecia sem remédio, rejuvenesceu. Um dia, a continuar tudo tão bem assim, volto à Escola. E Lina riu-se.