A Fera
Quando desistiam de obter o despacho favorável no requerimento, quando morria a esperança de, em tempo útil, resolver alguma coisa importante na vida, as pessoas, por sua iniciativa, deixavam de esperar. Morria-lhes o sonho às mãos, abriam outro negócio, expunham a sua obra onde as exigências fossem menores ou o decisor mais lesto. E o pedido acumulava-se a outros em pilhas ou pastas e resolvia-se assim sem que ninguém sentisse necessidade de mudar o estado de coisas. Um dia mudou a chefia e entrou aquela mulher ainda jovem para mandar no sector. Falou com todos, sorriu bastante, mas ficou claro que a irresponsabilidade teria por ali os dias contados. Os novos assuntos eram distribuídos sob registo e cada um dos funcionários teria prazos de resolução definidos. Todas as pastas eram agora de cor diferente e o trabalhador encarregado de resolver teria de justificar se descurasse, por qualquer razão, o assunto. No resto das questões nada mudara. Havia tolerância para atrasos, compreensão como resposta a pedidos, afabilidade geral. Cada um geria o seu tempo, o seu trabalho, os processos distribuídos. Ela, a chefe, chamava-os a prestar contas do trabalho e, uma vez, despediu aquele que continuava a relaxar os assuntos e a perverter o clima geral. O aviso tinha sido feito no início e a carta, breve, dizia que a Empresa dispensava os seus serviços por inadequados aos fins propostos. Serviu a saída deste colega como alerta geral. Trabalham, cuidam, esforçam-se. Alguns chamam-na fera.