A volta de Gorete

“Chegaram! Eles chegaram!” – gritava Litinha para a casa inteira. “Finalmente chegaram”.

Era a filha de dona Vilma que voltava casada com Nivaldo Junior, um homem que ela conhecera na praia de Salvador. Chegou metida, nem parecia aquela cambitinha que saíra daqui. Roupa bonita, tamanco alto e cinto caído.

Quando desceu do ônibus na rodoviária, seu Calixto tomou um susto. "Não acredito! É você mesma, Gorete?”. Nem atenção ela deu. Cochichou para o novo marido: "Odeio essa gente". O coitado ficou no vácuo com cara de besta. Seguiram o menino a quem ela já havia providenciado uma gorjeta, logo na entrada, para que levasse a bagagem do casal.

Pararam para tomar um café no quiosque de Elias. Deu graças a Deus por não ser reconhecida ali. No caminho, passando pela praça e pela igreja, todos olhavam, e perguntavam em burburinho. "É ela?". Cabeça erguida, não dava sinal algum. "Deu uma engordada". O nariz para cima e as mãos segurando as do companheiro. Para o padrão de beleza da cidade, era uma coisa muito da boa. Queria mostrar que voltava por cima. Sabia da inveja que causava, e sentia muito prazer. As pernas compridas, que antes pareciam uma saracura, se moviam com o vestido de tecido fino que balançava junto com seu orgulho.

Ao chegar na rua de sua casa, na padaria de seu Eilson, deu de cara com Soraia, ex-amiga e rival da escola. Fez questão de parar. Apresentou o marido já emendando prontamente que ele vendia carros em Salvador. “Homem de negócios, por isso viemos rápido. Não dá para deixar a empresa sem o olhar dono durante muito tempo. Sabe como é, tempo é dinheiro”. Soraia, coitada, tinha tudo para dar certo, mas não deu. Antes bonita, o tempo judiara dela: ficou feia, a barriga colapsou e, ao sorrir, deixou entrever uma janela – havia um dente a menos. Gorete, chateada, pensou: “Essa nem deu gosto. Como vou pisar numa galinha que já está morta?”, e seguiu andando, lembrando-se da sem gracice de Soraia colocando a mão na boca para sorrir.

Parou de novo chegando em casa. Deu uma olhada para a rua de baixo, recordou-se da menina pobre que fora, com bacia de prato na cabeça descendo em direção ao rio, onde ia pegar piaba para comer à noite. Viu a vendinha de seu Etelvino, ainda lá, e ele sentado na porta encostado, encolhido. Olhou todas as casas. Nada mudara: as cores, o paralelepípedo falhado, a igreja de Nossa Senhora da Juda, que parecia uma catedral da última vez que a vira e agora, depois de ter vista as de Salvador, não passa de uma capela.

Havia se preparado tanto para essa volta triunfal. Chegar com o marido bonito, a roupa de magazine, o esmalte bem pintado, a bolsa cheia de detalhes, o tamanco tão demoradamente escolhido... Tudo para causar sofrimento aos coitados. Mas, agora que está aqui, não tem mais vontade de vingança. Viu a merda do lugar, a tristeza no olho do povo, parece que mora num precipício. Deu uma coisa no peito que nem sabia nomear, mas era angústia. Naquele momento, soltou as mãos do marido, passou a andar devagar, quase parando, o sentimento de potência cedendo lugar a outro menos arrogante, e já se via de novo contaminada pelo lugar.

Toda a caristia que tinha montado perdeu valor antes de entrar em sua antiga casa. Nem sequer conseguiu levar seu destino inventado até a porta. A apenas alguns metros para rever sua família, mãe, pai, irmãs e tias invejosas, as pernas pararam de obedecer. O tremor sem sentido fisgou seu movimento. Tudo aquilo que sentia de grande foi desmoronando.

Ao entrar em casa, apertou a mão de todos, beijou sua mãe. A felicidade parecia agora de papel, bem vagabundo, desses que rasgam com facilidade. A festa das crianças foi ficando como a cara de Gorete... Lá estava enfim a mesma menina que fora embora. Apenas mascarada por belas roupas e um homem, que não significava tanto. Entristeceu. A cara ficou de tacho, murcha, o sorriso amarelo, de mentira.

Depois de tomar banho, pegou um trapinho no quarto da irmã para vestir. Sentou-se no sofá que também era um trapinho. Olhou as paredes descascadas, manchadas, envelhecidas. Enquanto soluçava, um nó se desfazia.

Alex Ferraz II
Enviado por Alex Ferraz II em 04/06/2021
Reeditado em 04/06/2021
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