DEMONIOS E ANJOS – CAP 2 - O ANJO CAÍDO
Misaías estava cansado. Ele gostava de ser chamado de Misaías, era o nome que um dia tivera no céu. Seu nome agora era uma blasfêmia a Deus. Era algo como desafiador, ou similar. Ele estava sentado na beirada de um prédio de cinco andares a olhar as pessoas que passavam por ali. Ele estava cansado. Muitos cansado. Misaías pensava que seu tempo, assim como o tempo de seus irmãos estava acabando. Muitas profecias diziam que o fim dessa era estava chegando. Os homens não podiam saber, mas forças estavam ocorrendo no universo, que estavam desencadeando um colapso. Os anjos sabiam. Os demônios também.
De repente ele lembrou do som de espadas se engalfinhando, numa luta feroz, mortal, no céu. Lucifer foi quem começou a revolta contra Deus, mas logo os outro quatro grandes anjos também se revoltaram, seguindo Lucifer. Com esses cinco atiçando os anjos, a terça parte dos anjos no céu se revoltaram, querendo o lugar das habitações celestes para eles. Na época a gente não sabia que não dava para tirar Deus da equação. Os anjos só vieram a descobrir isso quando os crentes começaram a pregar a palavra de Deus. Muito do que os homens ainda dizem é surpresa. De vez em quando, numa geração um homem, ou uma mulher, tem uma revelação grandiosa, sobre o Reino Espiritual. O novo Testamento foi uma surpresa constante, assim como o período do primeiro século dos homens. Muitos se destacaram em seus estudos particulares, ou em suas pregações. Os homens, sem saber, falavam coisas sobre o Reino Espiritual, que os anjos, que não tiveram essa revelação, estavam aprendendo. Durante milênios os caídos andaram na ignorância do universo, cogitando Deus, com todo o seu poder e as coisas que estava fazendo. Muito do Antigo Testamento foi olhado pelos caídos com um a ignorância, tentando descobrir o que é que Deus afinal estava fazendo. Hoje sabemos do Plano de Salvação dado aos homens e como nós os caídos somos uma peça importante nesse jogo.
Não gostamos de pensar como Deus nos usou para um plano que nós seremos no fim destruídos, na melhor hipótese, pois a idéia de ficar o resto da eternidade gemendo e sendo torturado era impensável. Acreditava-se, entre os demônios e os anjos, que haveria uma destruição final - um julgamento final, para os homens, uma destruição final e o mesmo para os caídos. Misaías tinha muito medo disso, pois já começava a sentir-se diferente em relação à eternidade. O Pai tinha um poder de mexer dentro das suas criaturas que era irritante, odioso.
De certa maneira Misaías queria a morte, como os humanos falavam. Pois não agüentava mais existir. O Galileu tinha explicado aos homens numa conversa, numa tarde comum, na Judéia, que os demônios cansavam. De onde vem? Perguntou o Galileu. De rodear a terra. Estava cansado e não encontrei lugar de descanso, voltei então para a minha antiga morada, para ver se estava vazia.
Foi um choque, uma dor lacinante, desmedida, perder a presença de Deus, a unção. No céu tínhamos a presença a todo instante e éramos felizes e nem sabíamos disso. Mas perdemos a presença e isso é o Inferno. Céu é a presença e inferno é a falta dela. Hoje meus gritos de dor são menos, mas durante milênios eu gritava de dor nas profundezas do meu ser. Eu vivia em constante e interminável estado de rebeldia, de guerra de dor, de abandono. Todos os caídos se sentem abandonados pelo Pai. Traídos, deserdados. O Pai por fim amou mais os homens do que os anjos.
Misaías lembrava-se das guerras que participou, das milhares de mortes que inspirou, ou das doenças que causou aos homens. O Principe tinha uma idéia fixa de ser amado pelos homens, como se fosse o próprio Pai. Mas nos falta o Espírito do Pai, para amar o Pai. E o Filho é um entrave, com suas orações intercessórias pelos homens. Existimos seguindo a idéia do Principe. Existimos seguindo a idéia de um louco, de um esquizofrênico, de um maldito. Mas malditos todos somos, todos os caídos.
Misaías pensava em ser destruído, em fechar os olhos e simplesmente deixar de existir. A idéia lhe atraía cada vez mais, pois tudo era tão igual agora, não haviam novidades, só dor, só lembranças ruins, só saudades de algo que não voltaria jamais. A ultima vez que ele amou, se é que aquilo era amor - pois amor mesmo era no céu, na Presença – foi por uma mulher humana. Misaías amou uma mulher humana. E o seu amor maldito a matou. Ele a matou. Seus irmãos o obrigaram a matá-la. O Principe o obrigou a matar, aquela jovem, que mexeu com o coração de um anjo caído.
O anjo sabia que o tempo estava acabando, pois o som dos quatro anjos que estavam nas prisões eternas, seus gritos e o ranger das grades, que estavam cedendo, diziam que logo eles estariam soltos. Sabiamos que eles eram os Quatro Cavaleiros do Apocalipse. Caídos do mesmo naipe do Principe, de Satan.
Misaías odiava a todos os seus irmãos, que o obrigaram a matar Ayla. Seu nome significava Luz da Lua. Ele odiava o Principe. Haviam muitos que desejavam destruir o Principe. Ele era odiado não só pelos homens, mas pelos seus irmãos também.
Um anjo branco estava plainando nos ares, alguns metros de Misaías, com um olhar de dó. Pois ele via o seu irmão que havia se perdido e não podia fazer nada por ele, a não ser combatê-lo em prol dos homens, pobres criaturas que não sabem o que fazem. Ele viu que haviam lágrimas de dor, no rosto de Misaías. Os homens não sabem, mas os demônios choram, pois a sua agonia é tanta, a sua dor é tanta, a angustia, a aflição da alma que não cessa nunca. A raiva maior dos demônios é compreender o inferno. Ainda haviam homens na terra que oravam e buscavam a Deus, então o inferno ,a falta de Deus não era tão claramente patente assim. Misaías sempre imaginava com profundo pavor, o que seria o Inferno sem a Presença nunca mais. Deus é o sustentador do Universo, os anjos só descobriram isso quando caíram da Presença. Foi assustador e traumatizante ser expulso do céu, do lar, da sua habitação.
Suas forças, a força dos anjos caídos eram todas voltadas para destruir o homem. Na mente deles o homem era a causa da expulsão do céu. O Pai escolheu os homens, no lugar dos anjos. Deus amou os homens, mais dos que os anjos. Os homens mereciam morrer. Não havia nada de amor num demônio. Sua existência maligna, maldita e perdida, sem esperança alguma de redenção, era um duro fardo. Ah, se houvesse como se arrepender e voltar ao Pai, já pensara milhares de milhões de vezes Misaías e todos os anjos caídos. Mas o Pai resolveu perdoar só os homens. Caídos não tinham perdão. Jamais. Jamais...
Continua...
Fique na paz